CARTA ABERTA AO MEU SENHOR

Caríssimo:

O meu amor por vós é uma ferida que não fecha nunca. Não bastassem os sofrimentos do passado, quando penso já ter pago todos os preços,tudo recomeça, mais uma vez.

Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Por quê? Sete vezes três, vinte e um: Por quê?

Meu destino é seguir esta proscrita, esta criminosa sem remissão, esta perseguida pelas sombras sem trégua das outras mulheres de vossa vida?

Até quando precisarei carregar nas costas, além da sempre acusação por vossa morte, também os pecados e as omissões que cometestes para com as outras, senhor?

Como podeis julgar-vos assim tão inocente de tudo? Como podeis?

No que me cabe, jamais protestei qualquer inocência. Sempre permaneci por perto, para dar-vos o testemunho do meu amor; sempre curvei-me diante de vós, à espera de um perdão que não veio jamais.

Em verdade, não me destes, senhor, a vossa verdade; jamais ma destes.

Suportei, em perfeito estoicismo, todas as dores do passado. Nunca vos acusei do que quer que fosse e passei anos sem fim a rezar pela paz dos meus desafetos.

Tudo isto para quê? Dizei-me, senhor, algum sentido para sacrifício de tal monta, algum sentido para minha permanência nesta escuridão sem trégua.

Podeis dizer-me, com razão: “Eu não vos pedi que ficásseis.” É verdade, não vos posso contestar a afirmativa. Eu tenho ficado por meu amor a vós e também pela esperança, que se tem mostrado sempre vã, de ainda vir a compreender vossa verdade a meu e a nosso respeito, ainda que seja apenas a verdade que foi, a verdade que há muito talvez já não seja, em vós. A verdade, senhor, por vossa boca. A verdade, para que minha vida deixe de ser esta sempre fantasmagoria. A nossa verdade, senhor, aquela que me deveis e que também vos deveis, aquela que, para minha eterna e irremediável agonia, jamais vossa boca me haverá de dizer, caríssimo.

Na alta madrugada, terminando já à beira da manhã de 21 de junho de 2011, primeiro dia de inverno no hemisfério sul, na capital de São Paulo, Brasil.

Publicação pouco após as 10 horas e meia da manhã de 21 de junho de 2011, ainda Outono.