A Decadente Morte de um Pensador

Bem, certamente vocês não irão aprovar essa minha decisão que é tão rotulada pela sociedade, pelas religiões, pela psiquiatria, pela maioria em geral que está no curral da Existência, como um ato insano, insensato, tolo, imbecil, etc. Talvez seja: trocar a vida, que mesmo sendo tão injusta e ruim inúmeras vezes, mas que pode ser modificada, pode melhorar; por algo tão incognoscível e apavorante que é a morte. É, talvez seja uma atitude estulta, mas toda raça humana é estulta, e o pouco que se sabe é uma mera gotícula diante dos oceanos que desconhecemos, e que apenas criamos conjecturas e teorias.

Contudo, para mim hoje em dia isso pouco importa. Eu vivi momentos lindos em minha vida, principalmente em minha infância com meu irmão mais novo a quem tanto adoro. Sei que já virou um clichê se deixar um bilhete ou uma carta de despedida tentando explicar ou esclarecer certos pontos. Eu escrevo essa carta para deixar bem claro os meus porquês de estar tomando essa decisão: um dos pontos em questão é que não culpo absolutamente ninguém se decidi tal ato, nem por me sentir atualmente infeliz e triste, não... A responsabilidade não é culpa de minha família, nem da sociedade, nem de Deus, nem da instituição escolar, governamental, ninguém é responsável por minhas ações ignóbeis e por minha personalidade complexa até para mim mesmo. Embora, algo em mim me comunica que todos esses mencionados acima têm sim uma certa parcela de culpa por essa pessoa tão vazia ou transbordante de humanidade que me tornei que me machuca tanto, todavia apontar alvos X e Y não vai alterar nada, não mudará nada dentro de mim, nem no meu passado, e nem ao meu presente atual.

Eu acho que sou o grande responsável por tudo de ruim que ocorreu em minha vida. Talvez tenham existido fatores externos, ou deterministas, ou genéticos, ou outros que não consigo ver e nem entender, mas também isso não modifica nada. Eu falhei, por mais que tentem usar eufemismos para me convencer do contrario, eu falhei com todos, e principalmente comigo mesmo. Estarei sendo atormentado por um complexo de culpa? Alguém ressuscite Freud para explicar todo esse processo em minha mente e em minhas emoções. (risos)....Eu sei como essa merda toda funciona. Acho muitas vezes que somos a fusão resultante de todos os elementos que são inseridos, incutidos e incorporados em cada um de nós desde nossa infância. Como podemos realmente saber o quê ou quem nós verazmente somos? Não é à toa que o poeta Alberto Caeiro disse que “é necessário uma aprendizagem desaprender, e raspar a tinta com que nos pintaram...”

Contudo eu utilizarei uma metáfora para melhor explicar a tudo isso: imaginem que a vida é a mulher de minha vida, minha grande e extasiante amante. Nós vivemos uma paixão intensa e tumultuosa, tivemos um caso de amor forte, intenso e bem complicado, e o que a vida (minha esposa aqui personificada) pôde me oferecer eu aceitei; gostei de muitas coisas, outras eu odiei. E o que eu pude oferecer a vida, eu ofertei de bom grado. Entretanto, para mim todo relacionamento, cedo ou tarde, sempre acaba, sempre dá errado, a separação é inevitável. E sendo eu um escritor ultra-romântico vivenciei com a vida uma espécie de tragédia grega meio homérica e filosófica. Aqui é necessário entender em todos os níveis o que essas palavras escritas na oração anterior querem expressar para que me entendam corretamente.

O que acabou ocorrendo é que acabei perdendo minha paixão e meu amor pela vida (minha esposa personificada humanamente). Perdi também meu encanto pelo mundo e pelas pessoas. Os problemas e as verdadeiras questões disso tudo estão dentro de mim, e eu acho que eu projeto todo esse Dédalo de sensações e pensamentos para o exterior. Sou um babaca emotivo, sentimental, intelectualizando tudo mesmo, hein pessoal?

A fé é uma coisa boa, mas se chega a um ponto em que ela mais machuca e causa dor do propriamente ajuda. Já passei pelas cinco etapas de minha atroz existência: negação-raiva-negociação-depressão-aceitação. Estou na última agora. Afinal, não há nada de poético em se morrer, seja de que forma for. Estou sendo pessimista, e limitando todo o potencial que ainda posso tirar de mim mesmo? Mas pensando com lucidez, o que tudo isso iria me tornar, me causar, que proporcionar? Reconhecimento, aplausos, conquistas, fama, realizar-se como pessoa? Para mim todas essas coisas são tão inúteis como estar encarcerado nesse universo gratuito. Nada mais disso me chama atenção. Não quero a compaixão de ninguém, nem me fazer de coitadinho, e nem isso é algo para chamar a atenção. A dita “compaixão humana” pra mim é lixo, pois ela quase sempre esconde outros motivos mesquinhos e egoístas. Não existe ação e nem ato inegoísta. Sempre se busca uma auto-satisfação, não importa de que tipo e de que forma.

A liberdade, a questão da liberdade é uma dádiva e uma maldição, se ela realmente existir em todos os nossos atos. A liberdade, segundo o filósofo dinamarquês Kierkegaard, gera no homem a angústia que pode levá-lo, de várias formas, ao desespero. Então, cada decisão é um risco, o que deixa a pessoa mergulhada na incerteza, pressionada por uma decisão que se torna angustiante. Como no modo de vida estético, ele escolhe fugir dessa angústia e do desespero através do prazer e de buscar a inconsciência de quem ele é. Outra forma de fuga é ignorar o próprio eu, tornar-se um autômato, apegar-se a um papel, como no modo de vida ético, religioso, etc. O escritor russo Fiódor Dostoievski discorre muito sobre isso em seus livros. O personagem Ivan Karamazov disse em seu poema “O Grande Inquisidor”: “... porquanto para o homem e para a sociedade humana nunca houve nada mais insuportável do que a liberdade”. Concordo com os dois escritores. Todavia, às vezes eu penso que não há nada de inteiramente verídico nessa crença de livre-arbítrio: Os materialistas valeram-se das leis da física para demonstrar, ou tentar demonstrar, que os movimentos dos corpos humanos são determinados mecanicamente e que, por conseguinte, tudo o que dizemos e toda mudança de posição que efetuamos se acham fora da esfera de qualquer possível livre-arbítrio. Algum estímulo chega a mim vindo do ambiente. Este é captado pelos meus sentidos e o sinal é enviado ao meu cérebro. O sinal interage com meu cérebro, alterando meu estado físico e químico, tendo como resultado alguma reação de minha parte. Meu corpo, então, segue as instruções dadas pelo cérebro a respeito do que fazer. Houve algum livre-arbítrio nisso? Não, nenhum. A idéia de que não temos livre-arbítrio é uma conclusão lógica que pode ser inferida a partir do simples fato de que o cérebro é feito de matéria, e que este interage com o mundo através dos meus sentidos. Ademais, não tenho acesso a tudo que meu cérebro está fazendo; deste modo, mesmo se pudesse prever os acontecimentos, ainda não poderia prever qual seria minha reação a eles.

O filósofo Nietzsche salientava que a observação inexata que nos é habitual tende a nos fazer tomar grupos de fenômenos como unidades e chamá-los de fatos (ou acontecimentos). Ocorre também que entre um e outro fato costuma-se representar um espaço vazio. Mas, na realidade, o conjunto de nossas atividades e de nosso conhecimento não é uma série de fatos com espaços intermediários vazios, mas um fluxo contínuo, um devir. Nietzsche exemplifica repudiando a crença no livre-arbítrio que, para ele, é incompatível com a concepção de um fluxo contínuo, homogêneo, comum, indivisível, porque supõe que toda ação particular é isolada e indivisível; trata-se aqui de um atomismo no domínio do querer e do saber. Da mesma forma que nós compreendemos inexatamente os caracteres, fazemos o mesmo com os acontecimentos: nós falamos de caracteres idênticos, e de fatos idênticos: entretanto, não existe nem um nem outro. E não seria demais acrescentar que tudo é diverso no mundo, o mundo é constituído por singularidades e diferenças.

Um homem, para seu assombro, repentinamente torna-se consciente de sua existência após um estado de não-existência de muitos bilhões de anos; vive por um breve período e então, novamente, retorna a um estado de não-existência por um tempo igualmente incomensurável. A crença de que gozar o presente e fazer disso o propósito da vida é a maior sabedoria; visto que somente o presente é real, todo o mais é representação do pensamento. Mas tal propósito poderia também ser denominado a maior tolice, pois aquilo que, no próximo instante, não mais existe e desaparece completamente como um sonho, jamais poderá merecer um esforço sério. A vida humana deve ser algum tipo de erro, com base no fato de que o homem é uma combinação de necessidades difíceis de satisfazer; ademais, se for satisfeito, tudo que obtém um estado de ausência de dor, ou de satisfação provisória, no qual nada resta posteriormente senão seu abandono ao tédio. Essa é uma prova precisa de que a existência em si mesma não tem valor, visto que o tédio é meramente o sentimento do vazio da existência. Mas nossa existência não é uma coisa agradável a não ser que estejamos em busca de algo; então à distância e os obstáculos a serem superados representam nossa meta como algo que nos satisfará – uma ilusão que desvanece assim que o objetivo é atingido; ou quando estamos engajados em algo que é de natureza puramente intelectual – quando nos distanciamos do mundo a fim de podermos observá-lo pelo lado de fora, como espectadores de um teatro. Mesmo o prazer sexual em si não significa nada além de um esforço contínuo, o qual cessa tão logo quanto seu objetivo é alcançado. Sempre que não estivermos ocupados em algum desses modos, mas jogados na existência em si, nos confrontamos com seu vazio e futilidade; e isso é o que denominamos tédio. Tornamo-nos escravos de nossos próprios desejos, hábitos e conceitos.

Ah Deus! E quão diferente é o começo de nossas vidas e do seu fim! O primeiro é feito de ilusões de esperança e divertimentos sensuais, materiais, de entretenimentos triviais se for bem analisados, enquanto o último estágio é perseguido pela decadência corporal e odor de morte. O caminho que divide ambas, no que concerne nosso bem-estar e deleite da vida, é a bancarrota; os sonhos da infância, os prazeres da juventude, os problemas da meia-idade, a enfermidade e miséria freqüente da velhice, as agonias de nossa última enfermidade e, finalmente, a luta com a morte – tudo isso não faz parecer que a existência é um erro cujas conseqüências estão se tornando gradualmente mais e mais óbvias? Nossa existência é marcada pelo desassossego, lutas, sofrimentos, medos, angústias, prazeres e conquistas efêmeras, e dor, muita dor reprimida dentro de si mesmo. Pode-se dizer que o homem é enganado pela esperança, pela fé e pelo medo, até dançar nos braços da morte!

Estarei exagerando em excessos de lógicas e de idéias? Pode ser, mas não tenho culpa disso. Está dentro de mim. Mas o que é pensar em si mesmo? De onde retiro o conceito de pensar? Por que acredito em causa e efeito? O que me dá o direito de falar de um “Eu”, e até mesmo de um “Eu” como causa, e por fim de um “Eu” como causa de pensamentos? Como posso dizer “eu penso” se um pensamento vem quando “ele” quer e não quando “eu” quero? Há coisas que discordo de cada um desses autores, mas em muitas coisas estão corretos. Sabe o que eu acho? Tudo é uma ficção, absolutamente tudo. Até em se pensar que: ora, se tudo é uma ficção, para toda ficção há um autor, logo deve existir um agente, um autor para ficcionar a tudo. Pode-se concluir assim. Mas pensar que para toda ficção há um autor, isso já não estará incluso na própria ficção, já não estará inserido na própria ficção?

Sei lá. Tudo é confuso. Acho que sou um niilista radical. Quer saber? Eu queria tanto que no dia de minha partida todos fossem comigo, toda a humanidade fosse aniquilada. Não é legal morrer sozinho. Egoísmo e perversidade minha? Claro que é!

Estou muito exaurido de causar tantas decepções a minha família. Acreditem quando eu afirmo: o tempo vai amenizar as possíveis cicatrizes de minha partida, ou fuga, ou covardia, ou medo, ou angústias, digam o que quiserem. Ninguém é essencial a nada e nem a ninguém. Tudo existia e segui seus ritmos antes que eu nascesse, e tudo continuará depois que me for daqui. E assim será com cada ser humano. O palco e os enredos a serem dramatizados são sempre os mesmos. Só mudam os personagens e a época de suas tragicomédias. O que é já existiu, e o ainda será também já o foi. Este é o nosso mundo. A humanidade é bem competente em substituir suas ditas “perdas” por outras e novas coisas ou seres ou idéias, etc. não sou diferente e nem melhor do que ninguém, embora eu tenha meus acessos de megalomania intelectual, e narcisismo patológico, mas quem não os têm?!!

O ponto mais relevante é o seguinte: acreditem firmemente quando eu digo que minha presença física e consciente neste mundo só causaria dor e sofrimentos até em pessoas que nada tem a ver com meus dilemas somáticos, herméticos e inapagáveis. Eu sou um perigo para a sociedade, para crianças, para famílias, e eu tenho lutado já há mais de quinze anos contra estes meus flagelos. Recorri a Deus para destruí-los, ao amor de mulheres, ao trabalho, a amizades, ao excesso de conhecimentos de idéias, a psicólogos e psiquiatras, e ultimamente ao alcoolismo, mas absolutamente nada destrói esses flagelos tão sedentos e malignos que quer me consumir por inteiro. Um ser doente com uma enfermidade incurável é um peso para a família, para o estado, o governo, a sociedade( pois este indivíduo enfermo só gera despesas a eles, e ele não pode ser uma cobaia para gerar lucros a cada uma destas instituições), e principalmente um doente é um fardo incomensurável para si mesmo.

Peço-vos que me perdoem por todo mal que vos fiz. Vivam suas vidas com coragem e inteligência, e não se recordem de mim com pesar ou tristeza excessiva, pois pode afetar profundamente suas vidas. Lembrem-se de mim como aquele cara que sempre estava de mãos dadas com a Vida no labirinto da Existência, sempre explorando novas coisas que a grande maioria da humanidade teme, e por isso preferem viver a banalidade de suas vidas normais. Cuidem bem de suas saúdes, e vivam o que vocês acreditam, no importam se a maioria diz que é errado. JÁ ME CANSEI DE PARIR CONCEITOS E NOVAS IDÉIAS. É MUITO DOLOROSO TODO ESSE PROCESSO. A arte da maiêutica já não me atrai mais.

“Devemos despedir-nos da vida como Ulisses se despediu de Nausíaca_ abençoando-a mais do que por ela apaixonado”.

A morte jamais apagará todas as coisas que fiz, que eu disse, que pensei, que escrevi, nenhum de meus atos serão destruídos pela morte, e nem por nada, ainda que um dia este universo venha a se auto-implodir.

Amo a cada um de vocês, embora eu saiba que pouco eu tenha exteriorizado isso.

Sinceramente,

Eu, algo não-gramaticável e inefável.

Obs: Deus disse a Moisés: “Eu sou”. Contudo, já eu profiro: _ “Eu jamais fui, e nem cheguei a ser, porque nada somos. Cada individuo que se insere na colméia humana a que se denomina de “sociedade” não passa cada um de ser uma lista ambulante e orgânica de numerações decodificáveis e de signos lingüísticos. Eis o que cada “cidadão” o é... Quem tem sabedoria vai entender o que estou implicitamente querendo exprimir.

P.S:Sinto-me a pessoa mais feliz em poder te chamar "minha amiga", e sentir realmente que a tua amizade Marília é tão esplendorosa e reverberante como as estrelas que contemplo a noite. Tens sido minha estrela celestial cheia de vida nessa noite indelével e andrófaga que não se cala um instante sequer em mim.

Gilliard Alves
Enviado por Gilliard Alves em 01/07/2011
Reeditado em 01/07/2011
Código do texto: T3068335
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