A TI, QUE SABES DE OUTROS MUNDOS...

Tu, que sabes de outros mundos, que já percorreste outras dimensões e espaços, tu deves saber quem eu sou, deves saber dos lugares de onde eu vim, de onde viemos nós dois, dos lugares que minha memória nesta vida esqueceu; deves saber também de onde veio aquele homem, nosso divisor de águas e, se dele nada vieste a saber, a essa altura dos tempos e dos fatos, deves ao menos intuir, como eu intuo, que ele não entrou por acaso naquele tempo dramático da tua e da minha vida.

Tu, que não deixas se perderem na memória o que chamas de ‘perversidades’, a memória do irremediável mal que te causei, mal que me é sentença de morte, a sentença da minha morte ao longo desta vida, por que não alcançaste, no decorrer destas mais de duas décadas, que nunca meu amor por ti abandonou-te, meu amor tantas vezes a sofrer as penas do inferno, pelas acusações, pela impossibilidade de compreender verdadeiramente os porquês, pela ausência de claridade a que foi condenado existir?

Eu não me isento de culpa, perante ti, não. Jamais o faria, jamais. No entanto sei, para meu espantoso horror, que o grande traído não foste tu, mas o outro, aquele ser também tão digno e especial que partilhou comigo tantos dos seus próprios anos. Não importa que não tenha havido corpo nessa traição, não importa. Foi muito, muito pior, e por causa dessa dupla vergonha sem remissão, nunca mais tive coragem de encarar-me, de frente, no espelho da minha própria alma.

Tu, que o sabes, dize a mim quem sou eu, que eu não o sei. Só não compreendo como é possível que tu, que me sabes muito para além do que eu mesma sei de mim, que tu não tenhas tido acesso pleno à sempre plenitude deste meu louco sentimento por ti, presença que nunca passou, que nunca passa, que não me abandonou, que não me abandona, que não tem cura e, pela vida que sou forçada a levar, presença para a qual não me resta direito nenhum a qualquer espécie de anestesia.

Ainda que tudo o que eu tenha sido nada mais seja em ti senão este sabor de morte, este sentimento de irremediável perda, de inalienável renúncia, no corpo, no coração, na alma, na vida; ainda que me deixes seguir, assim, crucificada, até o fim dos dias, mesmo porque já não nos há qualquer outra escolha, ainda assim resta-me um derradeiro direito, o direito de pedir-te: não duvides, não ouses duvidar do que és em mim, do que nunca deixaste de ser em mim. Não ouses duvidar. Minha crucificação é que não me resta mais nenhum direito de saber se eu permaneço em ti ao menos algo, efetivamente, do tanto que um dia te fui, antes dos apocalipses de vária e múltipla natureza, que nos levaram para esta tremenda e indescritível distância de nós.

Iniciado no final do dia 05 de julho e terminado já neste início de 06 de julho de 2011.