ESQUERDA ATÉ O AMANHECER

Há fato de senso comum existirem pessoas ambidestras; há fato de senso mediano essas pessoas possuírem desorientação direcional; porém, fato há pouco desconhecido é a ambidestria de nossos partidos políticos.

Nossos irmãos ricos da América dividiram-se em democratas e republicanos, dividiram-se em democratas que se vestem diferentemente dos republicanos, que comem diferentemente dos republicanos, que mesmo andam diferentemente dos republicanos, mas, principalmente, absurdamente óbvio, porém estranho para nós: que pensam diferentemente dos republicanos.

Estranho?! Talvez. Ou talvez, estranho seja o movimento contrário à expansão do universo em que nossos partidos coligados centripedamente fundem-se a um núcleo comum, deixando para trás partículas de pequena expressão, perdidas no espaço do discurso político, e que gradativamente partem para o centro, à medida que unem-se as demais partículas deixadas, e ao exemplo das demais, deixam suas partículas que idem, idem, idem, num constante e in aeternum nihilismo de ideologias.

Confesso, sou de direita, mas por acomodação mesmo. Também como alguns de vós, ainda antes dos auditórios da universidade, levantava bandeiras em protestos espalhafatosos, proferindo impropérios tirados de utopias redentoras na forma de máximas decoradas em calor momentâneo. Gritava: ABAIXO O CAPITALISMO, ABAIXO AS MULTINACIOSNASI EXPLORADORAS DE MÃO DE OBRA BARATA, ABAIXO A DEPENDÊNCIA DO CAPITAL ESTRANGEIRO, ABAIXO... ABAIXO... mas meu grito cessou, as utopias dissiparam-se na simples realidade: o comunismo desmascarou-se num sistema de diferenças sociais e incompatibilidade com a livre concorrência capitalista; o socialismo à passos largos tenta (otimistamente pensando que já não conseguiu) alcançá-lo; os golpes revolucionários disseminaram o caos e o medo na intolerância de suas ditaduras; e o nosso sonho utópico da chegada dos oprimidos ao poder termina em coligações partidárias que continuam a perpetuar-se no ato de comandar. Hoje, sou direita, mas por comodismo.

Sartre já tinha me avisado, quer transformar uma esquerda em direita, coloque-a no poder. Não acreditei, gritei: ABAIXO O EXISTENCIALISMO. Foi em vão, já não passa de uma voz rouca em protesto tímido. Ele estava certo.

Mas ainda guardo, no primeiro cabide, a velha, surrada, e desbotada camisa de Che, antes companheira de passeatas, e que hoje uso somente para sonhar e dormir, pendurada nobremente ao lado do terno que visto para trabalhar ao amanhecer.

Confesso, sou tentado e às vezes ainda me pego gritando em pensamentos: ABAIXO O CAPITALISMO, ABAIXO AS MULtinacionais, abaixo... abai... mas, não sei se é essa camisa com estampa estilo americana, não sei se é este destilado da região de Cognac, mas já é tarde, amanhã acordo cedo e tenho que trabalhar. Mesmo assim, serei esquerda até o amanhecer. Depois direita, por comodismo, cansei de me enganar.