CARTA A MEUS DOIS PAIS...- Matéria do Cantinho do Zé Povo-O Jornal de Hoje-Natal-RN-Ed. 13 Ago 2011

Meu querido e saudoso pai João Motta:

Faz uma porrada de tempo que os sábios dizem que “nada acontece por acaso”! E essa rapaziada está coberta de razão, papai. Desde nossas “longérrimas” viagens de Natal para Campina Grande e dalí para os Estados Unidos de Cabaceiras-PB, Boqueirão e São João do Carirí-PB, à bordo da velha e saudosa “Marinete”; uma perua Dodge 1951, pelas estradas de barro, através de Mamanguape e Sapé-PB; ou pelo “anel do brejo”; ou ainda pelo Seridó velho de guerra. As reuniões que você fazia no alpendre da Malhada de Roça, depois de vender o algodão; para pagar a “meia” dos que plantavam nas suas terras; os pique niques (assim eu chamava...) que constavam de uma carne de charque com dois, três dedos de gordura, com farinha do brejo, queijo de coalho e rapadura. Na casa grande, mamãe e/ou comadre Luzia, ferviam três, quatro vezes a xarque, que você levava para assar na brasa, na beira da lagoa das extremas. Ali, enquanto se fazia “apartação de gado ou assinação de caprinos e/ou ovinos”, a gente ficava se deleitando com as narrativas do saudoso Véio Arcelino, sobre o tempo em que pertencia ao bando do cangaceiro Antonio Silvino. Com aquele homem, papai, o Véio Arcelino, você sabe que “é vero”; eu tive a felicidade, de mal dando os primeiros passos, andar a cavalo carregado por ele, o Véio Curinga (assim ele era chamado no bando do famoso cangaceiro...), na “maçaneta” de sua sela, de tão pequenino que eu era, o que me valeu o apelido de “pixilinga”, dado por tão importante personagem do nosso passado. Ali também, na beira da Lagoa das Extremas, cansei de ouvir as mentiras de Sebastião Aritica e seus “tôrros”, quando alguém deixava escapulir um peido e o peste gritava imediatamente: Eu céico!... E a risadagem era geral; até você, papai virava o rosto para eu não lhe ver sorrindo com o “presépe”... Mas, papai; hoje eu também quero lhe falar de outra coisa; de outro pai que eu tive nessa vida, além de você. Num s’avexe não; falo de um pai adotivo, que eu tive a felicidade de ganhar, ao redor de aproximadamente vinte anos após sua partida para o outro lado da vida. E por mais incrível que possa lhe parecer, papai; você o conhecia; e muito, pois ele era seu cliente, que lhe comprava couro preparado, na sua loja da Rua João Pessoa, em Campina Grande-PB, onde era atendido pelo seu gerente Miguel Pereira, filho ilustre dos Estados Unidos de Cabaceiras-PB. Esse cidadão que lhe comprava couros toda semana, trazia o material para sua casa em Currais Novos-RN, onde desmanchava aquela matéria prima em calçados; e vendia nas feiras livres da região do Seridó Norte-Riograndense. Assim, esse cidadão, que encontrei nos caminhos da poesia, mais precisamente nas quebradas da Literatura de Cordel, vendo e ouvindo meus poemas de todos os gêneros possíveis e imagináveis, resolveu me adotar como filho e eu, recíprocamente, o adotei como pai. O nome desse “indivíduo competente” era; ou melhor; é José Saldanha de Menezes Sobrinho; ou simplesmente ZÉ SALDANHA, que esta semana que estamos findando, partiu aos 93 anos de idade, para prestar contas ao Criador; exatamente no dia 09 de agôsto, dia do meu aniversário... Só sinto uma coisa em relação a você, papai; é nunca ter dado a você, o orgulho que dei a ele com meus escritos... Mas, paciência! Você, apesar de jamais ter me dito que me amava; só hoje compreendo que você substituía a palavra amado por “estimado”... Só hoje eu compreendo que aquela palavra, “estimado”, quando você a pronunciava se referindo a mim; era como se estivesse me fazendo uma declaração de amor... Com o véio Zé Saldanha; eu chegava quase que invariavelmente às quarta feiras à tarde, vindo da “feira do Carrasco” e na sua porta, gritava:

- Rumbora Vééééiiioooo!

Ele respondia de lá:

- Prá oooonnnde, hôme ?

E eu:

- P’ru mêrmo caanto!...

- Assim é de lascar!...

E alí, eu depositava tapióca, bejú e bolo da moça na sua mesa de trabalho, enquanto esperávamos sua secretária Vitória, trazer o café fumegante para nosso lanche do fim de tarde... Mas, ano passado, na elaboração do meu quinto CD-Eu E Meus Mestres da Poesia, fui lhe pedir autorização e perguntei se ele permitia que eu declamasse o poema matuto de sua autoria, Matuto No Carnavá. E o véio Zé, Papai; me respondeu com uma única frase:

- Com muito amor!...

Intonce, meus dois queridos pais, João Motta e Zé Saldanha; vocês dois me amaram, cada um à sua maneira; e ambos me ensinaram a eu dizer de peito aberto a todos os meus filhos e a cada um em particular: Meu filho (a); Eu te Amo!...

Bob Motta
Enviado por Bob Motta em 13/08/2011
Código do texto: T3157365
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