Sobre a vida que segue

Querida Pâmela.

Espero que esta carta não tenha demorado tanto a chegar em suas mãos. Estou ansiosa por sua resposta. Já são dez anos mas parece que foi ontem que nos vimos pela última vez, quando me visitou no Hospital. Fiquei sabendo que você casou no ano passado. Quero ver uma foto! Por aqui está tudo bem, o meu filho mais velho já vai fazer oito anos. Passou muito rápido!

Eu pedi para a Leila pegar o seu endereço pois precisava escrever algo. Pensei em fazer por telefone, mas temia sua reação. Sabe, a sua família não aceitou o fato de eu começar uma relação com pouco tempo da morte do seu primo. Cheguei a ouvir que este relacionamento já existia enquanto ainda estava com ele. Acredite em mim, é tudo mentira. Aconteceu de eu começar este namoro como acontece com todo e qualquer outro; a diferença é que eu havia perdido alguém num acidente como foi aquele, e as pessoas me cobravam um luto eterno, como se eu tivesse morrido juntamente com ele. Somos adultas para saber que não é assim que as coisas precisam funcionar.

Sempre fomos confidentes, gostávamos de conversar sobre nossas vidas e quando brigava com o seu primo era a você que recorria. Você já estava acostumada a me ver chegar na sua casa em pleno sábado à noite, chorando as grosserias dele. E as histórias que você me contou? Saiba que sempre guardei segredo de suas confidências, e por causa dessa amizade, dessa abertura, a cada dia o meu respeito por você aumentava.

O que eu queria nesta carta é pedir perdão para você por qualquer coisa que eu tenha feito, e dizer que sinto falta de sua amizade. Não me julgue por que os outros andaram dizendo: Eu só precisava seguir o meu coração, e mesmo tendo iniciado um namoro com tão pouco tempo do falecimento do Michel não significa que não o amava. O amava sim, e muito. Foi o meu primeiro homem, era muito carinhoso e brincalhão. Tenho em meu coração - e também em minha alma - todos aqueles três anos que passamos juntos.

Inclusive quero confidenciar algo desde já: Depois do acidente minha vida nunca mais foi a mesma. Não pela perda dele e pelo tempo que passei no hospital, mas por meus pais. Eu não tinha ideia do quanto sentiriam por minha partida. Sempre fui muito rebelde e estava brigada com eles havia umas três semanas. O que mais me emocionou foi ter ouvido de meu pai um “eu te amo” dos mais sinceros. Ele nunca havia dito isso para mim, era bronco e fechado. Mas a proximidade da perda o fez largar as máscaras e abrir o coração. Com minha mãe também tenho muitas histórias para contar. Imagino a dor que não deve ter sido para a sua tia por ter perdido um filho ainda tão jovem!

Então passei a dar mais valor às pequenas coisas da vida, ao mínimo que geralmente deixamos passar batido ou pensamos ser insignificante. Recomecei há dez anos e ainda tenho aprendido muita coisa. Estou casada e com um casal de filhos que são o meu orgulho e a minha força para continuar batalhando. Posso dizer que compreendo o sentimento dos meus pais, podendo amá-los ainda mais, agora que conheço a responsabilidade de ser mãe.

Para encerrar, queria marcar com você de conversarmos um pouco, colocarmos o papo em dia. Não estamos longe, então pode ligar, se preferir. Meus números estão com a Leila.

Um beijão.

Natália.