Carta de Um Filho Moderno a Seu Pai

Sabe, Pai,

Hoje eu olhei pra folhinha e ela me informou que amanhã é o seu dia.

Pra mim, parece até ironia!

Sabe há quanto tempo a gente não tem tempo pra conversar? Nem pensar!

Uma semana, um mês, talvez...

Quem sabe, um ano...

Parece um século, se não me engano.

É tudo uma enorme confusão,

E tudo culpa minha, pra maior desilusão.

Aqui em casa, não tenho mais ambiente.

Às vezes me sinto até meio demente,

E descarrego tudo em você, o maior inocente.

A gente quase já nem se fala mais.

E é um tal de deixar pra trás

Os conceitos de honra e de moral...

Mas, tudo isso pra mim, é normal!

Pois, tomar a benção, dar satisfação, dialogar,

É coisa muito "antiquada".

E se você der uma olhada, já não sou mais criança,

Sou adulto! E tô ficando uma parada

Com esse tênis, esse jeans...

Falando nisso, preciso de um aumento de mesada.

Nas festas, sou a sensação!

E você nem imagina a emoção

Quando as garotas me acham o "maior".

Só que fico indeciso entre qual delas pra mim será a melhor...

Tem horas até que eu quero sua opinião,

Mas aí vem um colega com aquele papo de "rejeição"

E eu desmorono de novo.

Será que é verdade essa história

De que você sempre vai me "bronquear"?

Muito embora eu não queira acreditar,

Fico naquela enorme indecisão...

o que é que eu faço, então?

Agora vou lhe falar, embora ache que você já sabe da "mancada":

Até andei com gente transviada e quase m metia numa "fria".

Mas hoje, hoje eu resolvi “dar um tempo” pra minha cabeça.

E quero pedir que, embora sendo difícil, você esqueça

De tudo aquilo que passou.

Poxa, quando eu ouvi no rádio o comercial daquele “som legal”

Que remorso que me deu...

Ele poderia amanhã ser seu,

Se eu estivesse trabalhando,

Se eu soubesse ter ouvido os seus conselhos.

Ou, quem sabe, se estivesse estudando,

Poderia ter feito outro tipo de carta mostrando

O quanto eu lhe quero de verdade.

Talvez você já nem me acredite, mas falo com sinceridade.

Só que não acho palavras pra dizer

O quanto tenho vontade de retroceder

E a seu lado voltar a viver num clima de paz.

Desculpe, perdoe esse seu filho que na maioria das vezes não sabe o que faz.

Talvez eu seja mesmo como você diz – um guri travesso.

É essa uma imagem que nunca me esqueço – os tempos de minha infância.

Quando você me pegava no colo e a gente brincava de herói e mocinho...

E que eu lhe achava um pai tão bonzinho, um “Super Pai”!

Depois só me lembro que fui crescendo,

E quantas tristezas por minha causa você foi tendo,

Quanta amargura lhe causei...

Só que agora, Pai, eu me cansei.

Estou esgotado e sinto até vergonha.

Mas neste Dia dos Pais não vou ter cerimônia.

Quero chegar pra você bem de mansinho

Dar um beijo em sua testa com carinho

Lhe olhar frente a frente e apesar de tudo

Levantar a cabeça e dizer resoluto que vou viver vida nova.

E a primeira prova disso é que ficarei em casa, com você, ao seu lado.

E sem esse “papo” de estar envergonhado

Direi bem alto pra todos ouvirem:

Oi ”velho”! Eu não te trouxe presente nem flor,

Mas aonde quer que eu for te levarei comigo.

Quero teus conselhos e teu apoio,

Já não sou “o maior”, quero ser bem pequeno

Pra dizer que te adoro, que te amo,

E que daqui por diante, não quero ser mais nada do que fui.

Sou como alguém que volta do exílio.

Tenho somente uma única preocupação,

A minha maior ambição,

Que é voltar, como antes, a ser – só teu filho!

11.08.1984

15 hs

Áurea Gomes
Enviado por Áurea Gomes em 01/11/2011
Reeditado em 30/12/2011
Código do texto: T3310486