A FAMOSA CARTA ABERTA AOS POETAS BRASILEIROS, DE ALEXEI BUENO.

CARTA ABERTA AOS POETAS BRASILEIROS (IN LISTAS DE POESIA, A VERSÃO DE-MAIOR)

INTRÓITO

Há um mal-estar generalizado entre os poetas brasileiros, atirados, há um bom tempo, a uma terra de ninguém crítica e ideológica, à incompetência normativa e à pura mistificação. Como tenho 38 anos, certa experiência na área e não sou burro, entrego essas rápidas reflexões aos meus companheiros de arte, sobretudo aos mais jovens.

CARTA ABERTA AOS POETAS BRASILEIROS (IN JORNAL DO BRASIL, A VERSÃO DE-MENOR)

INTRÓITO

Há um mal-estar generalizado entre os poetas brasileiros, atirados, há um bom tempo, a uma terra de ninguém crítica e ideológica, à incompetência normativa e à pura mistificação. Como tenho 38 anos, certa experiência na área e não sou burro, entrego essas rápidas reflexões aos meus companheiros de arte, sobretudo aos mais jovens.

O BRASIL NÃO É UM PAÍS SÉRIO

É preciso sempre recordar esta frase do gal. De Gaulle. Num país onde falsificam remédios para câncer e fazem hemodiálise com água contaminada, deve-se desconfiar de tudo, ainda mais de crítica de poesia. Não acreditem que a poesia brasileira começou em 1922, como parecem julgar certos senhores. É como um francês que julgasse que a poesia francesa começou com Apolinnaire. Não acreditem que letra de música é poesia. Basta ouvi-la sem música para ver que não é. É como um francês misturar Gilbert Bécaud com Rimbaud ou Baudelaire, ou um leitor de língua inglesa misturar os Beatles com Yeats ou T. S. Eliot. Não acreditem em críticos que não tenham a mais vasta cultura literária. Como é impossível que um crítico de cinema que não conheça exaustivamente Griffith, Eisenstein, Murnau, Pudovkin, Dreyer, Lang, Gance, Seastrom, Clair, Keaton, Chaplin, Fellini, Pasolini, Godard, etc. etc. seja um crítico de cinema, o crítico de poesia que só conhece “vanguardeiros” e “marginais” não pode criticar poesia nenhuma. Vá ler Camões, vagabundo! Essa gente pode ter gostos ou opiniões, como todos temos, mas o gosto é para a estética o que a opinião é para a filosofia, nada. Como nada disso é crítica.

O BRASIL NÃO É UM PAÍS SÉRIO

É preciso sempre recordar esta frase atribuída ao general De Gaulle. Num país onde falsificam remédios para câncer e fazem hemodiálise com água contaminada, deve-se desconfiar de tudo, ainda mais de crítica de poesia. Não acreditem que a poesia brasileira começou em 1922, como parecem julgar certos senhores. É como um francês que julgasse que a poesia francesa começou com Apollinaire. Não acreditem que letra de música é poesia. Basta ouvi-la sem música para ver que não é. É como um francês misturar Gilbert Bécaud com Rimbaud ou Baudelaire. (...) Não acreditem em críticos que não tenham a mais vasta cultura literária. Como é impossível que um crítico de cinema que não conheça exaustivamente Griffith, Eisenstein, Godard, etc etc seja um crítico de cinema. O crítico de poesia que só conhece ''vanguardeiros'' e ''marginais'' não pode criticar poesia nenhuma. Vá ler Camões, vagabundo! Essa gente pode ter gostos ou opiniões, como todos temos, mas o gosto é para a estética o que a opinião é para a filosofia, nada. Como nada disso é crítica.

AS MISTIFICAÇÕES

Quem inaugurou a mistificação crítica, inicialmente por revisionismo, no Brasil, foram, como sempre, os famigerados concretistas, com o abominável Sousa Andrade, ou Sousândrade, e depois com as indefensáveis traduções de Homero e Virgílio de Odorico Mendes, espírito quantitativo para quem o maior mérito era traduzir os dois clássicos com menor número de versos que os originais grego e latino. Quem tem o menor conhecimento do que é um hexâmetro grego e latino sabe o que significa isso ao se falar de decassílabos portugueses. Um caso de hospício. Não deixem de ler, no entanto, Sousândrade e Odorico. O segundo tem uma ótima métrica e interessante sintaxe, o primeiro, às vezes - muito raramente -, consegue escrever um trecho que preste. Mas leiam antes, pelo amor de Deus, o nosso grande Gonçalves Dias do “I-juca-pirama” e as traduções magistrais de Carlos Alberto Nunes. Todos são maranhenses, ninguém poderá me acusar de bairrismo. Apenas não serviram aos interesses da camorra.

AS MISTIFICAÇÕES

Quem inaugurou a mistificação crítica, inicialmente por revisionismo, no Brasil, foram, como sempre, os famigerados concretistas, com o abominável Sousa Andrade, ou Sousândrade, e depois com as indefensáveis traduções de Homero e Virgílio de Odorico Mendes, espírito quantitativo para quem o maior mérito era traduzir os dois clássicos com menor número de versos que os originais grego e latino. Quem tem o menor conhecimento do que é um hexâmetro grego e latino sabe o que significa isso ao se falar de decassílabos portugueses. Um caso de hospício. Não deixem de ler, no entanto, Sousândrade e Odorico. O segundo tem uma ótima métrica e interessante sintaxe, o primeiro, às vezes - muito raramente - consegue escrever um trecho que preste. Mas leiam antes, pelo amor de Deus, o nosso grande Gonçalves Dias do I-juca-pirama e as traduções magistrais de Carlos Alberto Nunes. Todos são maranhenses, ninguém poderá me acusar de bairrismo. Só que os últimos não serviram aos interesses da camorra.

A ATUALIZAÇÃO DAS MISTIFICAÇÕES

No princípio, o embuste era feito no passado, mas ele se foi atualizando. O primeiro aggiornamento foi com a sra. Ana Cristina César, poetisa carioca precocemente desaparecida. Da união de uma professora ávida de propaganda e de um poeta idem, criou-se uma lenda nacional. Mas mesmo que dêem o Nobel póstumo para a malograda poetisa, continuará a ser um embuste crítico. Há cinqüenta poetas, há muitos mais, na casa dos 20 aos 30 anos no Brasil, com obra feita absolutamente superior aos cadernos de adolescente dessa moça. Poderia citar nomes em profusão. Mas não foram amigos da professora ou namorados do poeta. É demais.

A ATUALIZAÇÃO DAS MISTIFICAÇÕES

No princípio, o embuste era feito no passado, mas ele foi se atualizando. Entre seus aggiornamenti mais notórios contamos os casos de Ana Cristina César e Paulo Leminski, até chegar à plena atualidade.

O FETICHISMO DA OBJETIVIDADE

O Brasil continua, até hoje, atolado na Escola do Recife e no Positivismo. É o fetichismo da objetividade, que serve de base para as maiores sandices críticas entre nós. Daí talvez tenha vindo o fracasso social do Simbolismo perante o Parnasianismo no Brasil, fato único no mundo. Há subjetividades muito mais exatas e diretas que mil objetividades. Falarão também contra a “metafísica”. Mas se há algum problema com a metafísica, A paixão segundo G. H., de Clarice Lispector, que é tão puramente metafísica que às vezes não parece literatura, deveria ser jogado ao lixo. Depois falarão que a obra literária, como disse um sr. da Folha de São Paulo, deve ser racional e concisa. Concisa no país que deu Os sertões e o Grande sertão: veredas! Depois virão com a “escadinha” das escolas, as genealogias literárias, etc. Para o diabo! Toda a grande literatura é continuidade e sobretudo ruptura. Nenhum crítico sabia que Augusto dos Anjos ou Guimarães Rosa apareceriam antes de aparecer. O espírito humano é irrefreável e imprevisível.

O FETICHISMO DA OBJETIVIDADE

O Brasil continua, até hoje, atolado na Escola do Recife e no Positivismo. É o fetichismo da objetividade, que serve de base para as maiores sandices críticas entre nós. (...) Há subjetividades muito mais exatas e diretas que mil objetividades. Falarão também contra a ''metafísica''. Mas se há algum problema com a metafísica, A paixão segundo G.H., de Clarice Lispector, que é tão puramente metafísica que às vezes não parece literatura, deveria ser jogado ao lixo. Depois falarão que a obra literária deve ser racional e concisa. Concisa no país que deu Os sertões e Grande sertão: veredas! Depois virão com a ''escadinha'' das escolas, as genealogias literárias, todo esse lixo oriundo da ideologia do progresso, a coisa mais espúria em arte, criada no século retrasado. Para o diabo! Toda a grande literatura é continuidade e sobretudo ruptura. (...)

OS RÓTULOS

Nesse caminho, sem a menor dúvida, os que não fazem parte da máfia serão rotulados. Quanto a mim, certo idiota chamado Carlos Ávila escreveu, no jornal já mencionado, que eu usava “palavras de cunho parnasiano, como noite e alma”! Noite, meus irmãos! Esta palavra sem sinônimo, que todos os escritores de todas as línguas usaram e usarão, é uma palavra de cunho parnasiano! Se pudesse ter algum cunho de escola, seria romântica ou simbolista, não de uma escola solar como o Parnasianismo. Qualquer mediano aluno de ginásio sabe disso, mas o autor dessa enormidade, que está lá, para a eternidade, gravada no jornal, é ainda editor de um grande suplemento cultural, porque o foi um dia. Assim, quando um adolescente diz para a namorada que vai encontrá-la à noite, está usando uma palavra de cunho parnasiano! Em outra ocasião, o sr. Carlito Azevedo, o capacho maior da máfia concretista-marginalóide, disse que eu era “conservador”. Há quase cinqüenta anos, todos os que não se apresentam como discípulos fiéis do sr. Haroldo de Campos nesse país, são tachados de “conservadores”. Ou agora, palavra sumamente ridícula, “neo-conservadores”. Em relação a o quê, ou a quem? Há muito tempo que sou um dos únicos poetas a reagir aos dados da imediata atualidade nesse país, já que, como homem normal, não me sinto à vontade nesse shopping center compulsório gerido pelos mísseis e bombas da ditadura militar planetária norte-americana. Conservador é a senhora que os pariu.

OS RÓTULOS

Nesse caminho, sem a menor dúvida, os que não fazem parte da máfia serão rotulados. (...) O sr. Carlito Azevedo, serviçal mais aplicado da máfia concretista-marginalóide, disse que eu era ''conservador''. Há quase 50 anos, todos os que não se apresentam como discípulos fiéis do sr. Haroldo de Campos nesse país são tachados de ''conservadores''. Ou agora, palavra sumamente ridícula, ''neoconservadores''. Em relação a o quê, ou a quem? Há muito tempo sou um dos únicos poetas a reagir aos dados da imediata atualidade nesse país, já que, como homem normal, não me sinto à vontade nesse shopping center compulsório gerido pelos mísseis e bombas da ditadura militar planetária norte-americana.

A IDOLATRIA CABRALINA

João Cabral de Mello Neto, o admirável poeta que todos conhecemos, foi cooptado por esse povo para criar genealogia literária. Estão fazendo com ele o mesmo que fizeram com Bilac após a sua morte em 1918. A “verdadeira” poesia brasileira sairia de Bilac, etc. Saiu? Agora João Cabral é a bola da vez. Como agravante, aproveitam-se dos inúmeros equívocos sobre poesia e arte por ele falados. Grande idiossincrático e grande mal-humorado, sempre falou os maiores absurdos sobre poesia. Ora, até Fernando Pessoa, um gênio universal, falou que Junqueiro superou Camões ao escrever A Pátria, ou outros absurdos. Leiamos todos a grande poesia de João Cabral, sobretudo a anterior a Agrestes, e mandemos a “genealogia” e os idiotas que a pregam para o inferno. De João Cabral não sairá nada para a poesia brasileira, como não saiu nada de Castro Alves, de Euclides da Cunha ou de Drummond, só pastiches ou epígonos. A “verdadeira” poesia brasileira será a de quem a escrever grande, e João Cabral não merece ser avô dos lixos que por aí invocam o seu nome.

A IDOLATRIA CABRALINA

João Cabral de Mello Neto, o admirável poeta que todos conhecemos, foi cooptado por esse povo para criar genealogia literária. Estão fazendo com ele o mesmo que fizeram com Bilac após a sua morte em 1918. A ''verdadeira'' poesia brasileira sairia de Bilac etc. Saiu? Agora João Cabral é a bola da vez. Como agravante, aproveitam-se dos inúmeros equívocos sobre poesia e arte por ele falados. Grande idiossincrático e grande mal-humorado, sempre falou os maiores absurdos sobre poesia. (...) Leiamos todos a grande poesia de João Cabral, sobretudo a anterior a Agrestes, e mandemos a ''genealogia'' e os idiotas que a pregam para o inferno. De João Cabral não sairá nada para a poesia brasileira, como não saiu nada de Castro Alves, de Euclides da Cunha ou de Drummond, só pastiches ou epígonos. A ''verdadeira'' poesia brasileira será a de quem a escrever grande, e João Cabral não merece ser avô dos pigmeus que por aí invocam o seu nome.

A MORTE DA LIBERDADE

Após uma luta feroz para se estabelecer uma liberdade criadora no Brasil empreendida pelos modernistas na vigência do lamentável Neoparnasianismo, acabaram por criar outra camisa-de-força, pior, na nossa literatura, que nega aos que não se filiam a ela todos os territórios expressivos conquistados após o Modernismo. E esse establishment, e essa deplorável intelligentsia universitária que o sustenta, ainda se dizem “modernos”. Os parnasianos se entocaram na Academia. Os novos parnasianos, os da máfia concretista, se entocaram nas universidades. O Parnasianismo foi o Concretismo da República Velha positivista. O Concretismo foi o Parnasianismo da ditadura militar. Todos grandes defensores do “rigor formal”, da “clareza” e da “razão”! Todos muito “modernos”, essa palavra que não quer dizer absolutamente mais nada! Ora, a Modernidade acabou, e vá feder bem longe. A Modernidade morreu, viva a arte e a literatura! Que os seus fósseis ladrem a sua ladainha decrépita à vontade. Basta de múmias marqueteiras. Basta de um país que considera intelectual uma besta colonizada como o sr. Gerald Thomas, o ganhador do faqueiro de Caras e a carpideira midiática do World Trade Center. Fernando Pessoa morreu outro dia, Borges (provavelmente um neo-conservador) morreu ontem, e agora a “verdadeira” poesia é a dos srs. Bonvicino, Azevedo, Ascher, ou outras covardias pasteurizadas semelhantes, alcolitadas pelos srs. Costa Lima, Silviano, Moriconi, Buarque de Holanda (née Oliveira), Sussekind et caterva? Para o inferno!

A MORTE DA LIBERDADE

Após uma luta feroz para se estabelecer uma liberdade criadora no Brasil empreendida pelos modernistas na vigência do lamentável Neoparnasianismo, acabaram por criar outra camisa-de-força, pior, na nossa literatura, que nega aos que não se filiam a ela todos os territórios expressivos conquistados após o Modernismo. E esse establishment, e essa deplorável intelligentsia universitária que o sustenta, ainda se dizem ''modernos''. Os parnasianos se entocaram na Academia. Os novos parnasianos, os da máfia concretista, se entocaram nas universidades. O Parnasianismo foi o Concretismo da República Velha positivista. O Concretismo foi o Parnasianismo da ditadura militar. Todos grandes defensores do ''rigor formal'', da ''clareza'' e da ''razão''! Todos muito ''modernos'', essa palavra que não quer dizer absolutamente mais nada! Ora, a Modernidade acabou, e vá feder bem longe. A Modernidade morreu, viva a arte e a literatura! Que os seus fósseis ladrem a sua ladainha decrépita à vontade. Basta de múmias marqueteiras. (...) Fernando Pessoa morreu outro dia, Borges (provavelmente um neoconservador) morreu ontem, e agora a ''verdadeira'' poesia é a dos srs. Bonvicino, Azevedo, Ascher, ou outras covardias pasteurizadas semelhantes, acolitadas pelos srs. Costa Lima, Silviano, Moriconi, Buarque de Hollanda, Sussekind et caterva? Para o inferno!

BASTA!

Em resumo, basta! Cabe a todos os poetas desse país, especialmente àqueles esquecidos fora das metrópoles, mas sobretudo àqueles que têm algo a dizer, aqueles que sentem a imperiosa necessidade de dizer algo, pois daí nasceu sempre toda a literatura, e não de ludismos formais, mandar todo esse lixo ao espaço, e iniciar com o novo milênio uma nova poesia, que não será nem “moderna”, nem “verdadeira”, nem “legítima”, nem coisa nenhuma, será grande quando o for, e moderna e verdadeira e legítima porque o foi. O espírito sopra quando e onde quer, e para nós há três milênios de riqueza poética às nossas costas, um fabuloso desprezo ao nosso lado e o ilimitado da História à nossa frente!

BASTA!

Em resumo, basta! Cabe a todos os poetas desse país, especialmente aqueles esquecidos fora das metrópoles, mas sobretudo aqueles que têm algo a dizer, aqueles que sentem a imperiosa necessidade de dizer algo, pois daí nasceu sempre toda a literatura, e não de ludismos formais, mandar todo esse lixo ao espaço, e iniciar com o novo milênio uma nova poesia, que não será nem ''moderna'', nem ''verdadeira'', nem ''legítima'', nem coisa nenhuma, será grande quando o for, e moderna e verdadeira e legítima porque o foi. O espírito sopra quando e onde quer, e para nós há três milênios de riqueza poética às nossas costas, um fabuloso desprezo ao nosso lado e o ilimitado da História à nossa frente!

Obs. Como você notou, a mesma aparece em duas versões - a do Jornal do Brasil e a das listas de poesias. Tire as suas conclusões.