Um desabafo de uma professora frustrada ...

Estou no ano de dois mil e onze, no mês de outubro, aos 21 dias,precisamente são três horas da madrugada e não consigo dormir, mais uma noite de insônia, de pensamentos vagando no meu mundo irrequieto, de lágrima,sim,” lágrima no singular” pois, foi apenas uma solitária lágrima que rolou face abaixo na noite de hoje. Mas um dia que inicia-se, mas uma tentativa frustrada irá acontecer daqui a algumas horas...

Preciso explicar melhor o que se passa para que vocês entendam:

Sou uma professora, leciono em duas escolas, em dois municípios. No turno vespertino, leciono o quarto ano do ensino fundamental I, na zona rural da cidade de Jiquiriçá-Ba, a escola fica a uma distância de onze quilômetros da minha casa até aí tudo normal,mas no meu primeiro turno ( matutino) leciono na zona rural de uma cidade vizinha (Ubaíra) que fica a uma distancia de dezesseis quilômetros da minha residência, minha turma é multisseriada,( educação infantil ao quinto ano ),tenho nessa sala 20 crianças que vão da idade de quatro anos à idade de treze anos e na sua maioria são crianças carentes, tanto de bens materiais quanto de amor e carinho.

É dessa turma em especial que gostaria de falar,pois me sinto na necessidade de desabafar com alguém e já o fiz, mas ainda assim, me sinto numa ilha deserta, onde, por mais que eu grite aos quatro ventos, não receba nem o eco de minha própria voz como consolo.

Assim começa o meu dia: Levanto-me as cinco da manha (quando consigo dormir) trabalho nas minhas atividades diárias da minha casa e saio pra escola às sete e meia, tive que aprender a pilotar uma moto, pois tava complicado pagar moto-taxi com o salário que recebo,afinal de contas totalizo no fim do dia, cinqüenta e quatro quilômetros de estrada de chão e sairia muito caro pagar uma pessoa pra me transportar e ainda me esperar a cada turno, então resolvi aprender na ”raça e na pirraça “e a muito custo conseguir comprar meu próprio transporte. A parte desconfortável é que já não tenho mais vinte anos e já não tenho uma saúde favorável a esse meio de transporte,sinto muitas dores na coluna ao fim do dia,já sofri dois abortos espontâneos esse ano devido aos tombos que levo em cima da moto mas as dores que me incomodam mesmo ao fim de cada dia não é a física, mas a da consciência...

Digo isso porque é na minha mente que ficam registrado todos os planejamentos de aula frustrados de cada dia, todas as angústias de ter tentado, mas não ter conseguido, quase nunca consigo...quase nunca...

Tenho em minhas mãos vinte crianças com sede de aprendizagem, que colocam sobre mim todas as suas expectativas de vida e que quase sempre voltam pra casa com o mesmo sentimento de vazio dentro da alma,a mesma angústia de mais um dia onde foi depositado esperanças e foi retirado incertezas.

Sinto-me inútil, inválida, dispensável e incapaz ao fim de cada dia com essas crianças. Não consigo, por mais que eu tente, , estude, me aprofunde no assunto, que eu caia e levante, ainda assim não consigo atingir meus objetivos que é alfabetizar e letrar dentro de uma sala multisseriada. Sei que muitos defendem essa forma de ensino e acredito até que algum professor, ou talvez muitos deles consigam alfabetizar num ambiente assim, mas pra mim é uma limitação, uma impossibilidade gritante e atemorizante.

Tenho dois alunos que gostaria de falar deles em especial, um menino e uma menina, que cansaram de esperar por um tempo dedicado a eles e decidiram aprender a ler sozinhos, sentados à um canto da sala, folheando as páginas e descobrindo por si só o mundo mágico dos livros.

A principio me senti FRUSTRADA!

Porque digo isso? Por que sei que eles não puderam contar comigo, porque eu estava sempre ocupada com os outros e não dediquei tempo o suficiente para o crescimento pessoal de cada um deles dentro do âmbito escolar.

Por outro lado me senti FELIZ! Porque sei que ainda há esperanças para outros, que apesar de minhas limitações, eles conseguem achar um meio qualquer e penetram no universo das palavras a todo custo, mesmo que sejam sozinhos.

Em contrapartida já convivo por três anos letivos com uma aluna de 8 anos de idade que deveria estar no terceiro ano escolar e infelizmente ainda não tenha aprendido a escrever seu próprio nome sozinha, talvez por ter “déficit” de aprendizagem, ou mais precisamente por estar com uma professora incapaz de alcançar seus objetivos e de proporcionar-lhe uma oportunidade real de conhecimento, ou talvez ainda por faltar tempo e espaço para que a mesma se desenvolva psicológica,afetiva e socialmente,

Escrevo porque não sou ouvida pelos meus superiores, escrevo porque preciso de apoio,preciso de ajuda, não importa que tipo de ajuda seja essa, de alguém que me escreva, me conte como vencer, como superar minhas angústias e meu desespero.Preciso de uma fórmula ( sei que elas não existem) pra que eu possa melhorar as condições de aprendizagem de meus queridos alunos. Para que no ano que está por vir eu não me sinta assim tão desnecessária na vida de meus alunos, tão incapaz quanto professora e que eu possa ser útil a minha comunidade e a sociedade a qual pertenço.

Fica aqui o meu apelo e espero em Jeová, meu Deus, que eu possa ser e tornar feliz a vida dos que me rodeiam.