Conversando com meus filhos - Carta 2

12 de janeiro de 2012
Filhotes,
Vocês podem até se perguntar o porquê de lhes escrever esta segunda carta. Simplesmente, é uma forma com a qual me identifico melhor e as idéias me vêm à cabeça. Como vocês dois estão em MG neste mês de janeiro de 2012, não quero deixar que me fujam coisas importantes que pensei em dizer-lhes. Estava deitada ainda sonolenta e me imaginei conversando com vocês sobre sua vida hoje em comparação com a que tive. Às vezes me cobro porque deveria oferecer melhores condições de vida a vocês, mas quando me lembro de minha infância e juventude, vejo que o consumismo desenfreado é que nos deixa nesse pânico. O mundo precisa andar mais devagar e nós reaprendermos coisas simples como oferecer afeto e palavras amigas, ao invés de coisas e dinheiro. Na conversa imaginada, eu dizia assim:
Filhos, tanto seu pai como eu tivemos infâncias pobres, o que não significa a falta de tudo ou falta de dignidade. Mas tínhamos que dividir tudo com nossos “n” irmãos. Caçulas como eu, de sete irmãos, recebíamos de herança as roupas surradas, raramente novas. Comida era da melhor e mais natural, porém, o básico. Não comíamos morangos, maçãs, uvas, mas, laranja, abacate, abacaxi, banana apanhados do pé. As demais frutas eram caras e raras, além de não serem típicos da região. Me lembro que quando alguém me ofereceu carambola a escolhi como minha fruta predileta. Presentes? Só no natal!!! E nem tinha bolo de aniversário porque minha mãe não queria deixar ninguém de fora. Até os quinze anos, quando minha cunhada fez um lindo bolo – afinal eram quinze anos!!! – tive uma comemoração de aniversário no quintal ao lado de casa, creio que entre cinco e seis anos, até menos. E se o tive foi por iniciativa de algum irmão ou amiguinho que teria se organizado com os demais e comprado um bolo daqueles de padaria com um furo no meio e suco de grosélia. Foi muito bom!!! Eu adorava comer o pó daqueles sucos artificiais! Principalmente porque diziam que não podia, ficava mais gostoso ainda.
Nasci de parteira, segundo consta,... E o horário? Minha irmã número três diz que foi perto do meio dia porque estava indo para a escola quando ouviu uma espécie de bichinho ecoar seu choro pela casa.
Vou voltar pra cama agora e continuo depois. Afinal, estou de férias e são só nove horas!!!
Sapatos eram no máximo dois pares, e olhe lá! Claro que havia desejos de ter brinquedos da estrela, mas era menor, bem menor esse desejo.
Me lembro dos tempos em que minha mãe guardava carnes na gordura e em latões para conservar porque não tínhamos geladeira. Acabávamos de chegar de um povoado, Major Porto, onde a vida era rural. Televisão também era algo de outro mundo. Eu ficava pensando como poderia alguém ter criado algo tão maravilhoso que levava imagens e histórias para nossas casas, o sítio do pica-pau amarelo, obra de nosso Monteiro Lobato! Era incrível!!! Para minha cabecinha de criança...o rádio já era muito pra mim. E o telefone? Na minha infância só conheci o orelhão da rua e usávamos fichas redondas de metal com um risco no meio. Então, me recordo da chegada da TV enorme e de válvula que demorava uns cinco minutos para entrar no ar, da geladeira vermelha e do telefone, este só quando eu fiz perto de nove ou dez anos e ainda assim por pouco tempo porque era da minha irmã número três e de seu namorado porque era uma ação ter uma linha telefônica. Depois ficamos muito tempo sem telefone. Penso que por isto não gosto muito desse meio de comunicação. Prefiro hoje a internet.
Computador????
Só hoje entendo que nasci nos anos 1970, em tempos de ditadura no Brasil. Mas em minha casa não havia intelectuais... ninguém falava ou sequer se preocupava com questões dessa ordem. Claro, meu pai era Getulista doente, conservador, católico. Caminhoneiro e tendo estudado até a quarta série primária era um homem batalhador, falava forte, alto e grave...mas muito alienado. Minha mãe, dona de casa, também cursara a quarta série primária, cuidava dos filhos com muito zelo, mas era pouco afetiva e silenciosa. Claro, teve um pai carrasco, sua imagem era para mim de um homem cruel, pai-patrão. Falha minha não saber sobre meus antepassados. Entretanto, ainda há tempo.
Não nos preocupávamos com a morte. Bastava-nos viver o momento! Crianças vivem o momento e focam nas brincadeiras e nos amigos e brinquedos, na natureza que se transforma em seu mundo. Subindo em árvores e criando um mundo delas. Os pés de laranja viravam casa...
Continua...
Susie Darling
Enviado por Susie Darling em 12/01/2012
Reeditado em 13/01/2012
Código do texto: T3436366
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.