O ENIGMA DA MINHA FIDELIDADE

Sou um ser fiel, sempre o fui, a princípios e pessoas; não fiel da fidelidade óbvia, que é a de boa parte das pessoas, aquela inflexível, que aponta o dedo para os que comungam de fidelidade diversa da sua. Não, ao longo da vida, minha fidelidade não tem sido exatamente assim.

Principalmente a ti, homem, minha fidelidade, que tem ultrapassado e permanecido, a despeito dos sempre limites do tempo, da ausência, da quase nenhuma presença, das múltiplas interdições e interditos, dos mistérios, dos silêncios e da mudez, das meias-palavras, das artimanhas e esconderijos, da não posse do corpo, também da ausência de quaisquer outras posses, aliás, posses em cuja realidade jamais pude crer (só poderia nelas crer se eu pudesse ter fé na sempre igual e plena posse minha de e em mim mesma, coisa em que tampouco jamais consegui crer), como dizia, minha fidelidade a ti, em momento algum tem se assemelhado às fidelidades usuais.

Em verdade, malgrado haver mesmo – confesso - tentado te ser infiel, no sentimento, no pensamento, nas ideias... jamais o pude conseguir, ainda que tenha permanecido fiel, em todos os sentidos (admito o paradoxo) a outro homem bem diverso de ti, ao homem que foi meu companheiro durante muitos anos – não é necessário explicar-te nada, tu sabes de tudo tão bem quanto eu, tanto quanto o outro sempre soube da minha divisão interior e a aceitou – como dizia, malgrado minhas tentativas interiores de infidelidade a ti, nunca tal me foi realmente possível; nunca, jamais. Se isso, por um lado, constitui enigma, duro, difícil, escuro enigma, por outro lado posso bem dizer, como no título do livro do Drummond, que a minha fidelidade a ti tem também a face de um claro enigma: se eu fosse infiel a ti, homem, eu me trairia a mim, trairia aquela de mim que sempre me sonhei e que perdi sem tê-la podido viver; trairia aquela de mim que sonho ainda, de modo minimamente possível, vir a reencontrar.

Ainda na noite de 01 de fevereiro; publicação no início da madrugada de 02 de fevereiro de 2012.