Uma história de amor às estrelas.

Arthur e suas (nossas) estrelas.

Querido Arthur,

não é a primeira vez que tento lhe escrever desde a última vez que nos falamos. Depois de diversas tentativas falhas, decidi que seria melhor começar com essas palavras sinceras, que te deixam ver o quão difícil é, para mim, escrever-lhe após tanto tempo. Peguei-me admirando o céu ontem à noite, como de costume. Luas e estrelas sempre foram como um feitiço para mim, você sabe. É difícil não me perder na imensidão da escuridão celestial.

Ainda assim, dessa vez, foi diferente. Aquela Lua Crescente deixou-me um pouco nostálgica em relação a nós dois. Lá de cima, ela gritava, com uma voz falha, “Completa-me!”. Ninguém era capaz de ouvi-la. Apenas eu. Eu pude sentir, Arthur. Faltava uma parte de mim também. Faltava você. Você, que sempre foi um amante do céu noturno. Você, que sempre gostou de admirar os pontinhos brilhantes e distantes ao meu lado. Você, que costumava segurar minha mão e contar, comigo, quantas estrelas são. Nunca chegamos a um consenso. A noite sempre surpreendia-nos com um número novo. E lá estávamos nós de novo, contando. Nunca desistimos.

Tentei fazer isso sozinha ontem. Perdi a conta cinco vezes. Contei, contei, contei. 320, 348, 351… Era impossível, Arthur. Sem você, contar estrelas tornou-se uma tarefa irrealizável.

Sentei-me na cama ao lado da janela e tentei esquecer todas essas bobeiras de como-ele-faz-falta, como-eu-queria-que-ele-estivesse-aqui-comigo-para-contar-estrelas. Não, não. É passado, eu sei. Eu nem te amo mais. Ou amo? Não, não amo. Droga, Arthur! Por que você faz isso comigo? Por que você aparece de repente, mexe comigo, e vai embora? Você nunca soube lidar com meu coração, pra ser sincera. Só sabia revirá-lo dentro do meu peito, mesmo sem querer.

Droga, Arthur! Desde ontem, você se instalou em minha mente. Sonhei contigo. Peguei sua mão, olhei em seus olhos, toquei seus lábios. Acordei. Pensei em você. Pensei em você. Pensei em você. Decidi que precisava lhe escrever. E é bem provável que essa carta vá direto ao lixo logo após minha assinatura, minha despedida. Da mesma forma que você deixou nosso sentimento ao léu quando partiu.

Droga, Arthur! Pare com isso, por favor. Ou você vem aqui e me ajuda no término da minha contagem, ou você vai embora para sempre. Escolha! Escolha, porque eu não consigo mais continuar nessa dúvida.

Dúvida? Não, não. Não, eu não te amo.

Quantas são, Arthur? Quantas estrelas são? Quando você vem aqui para terminar a contagem comigo? Estarei livre amanhã, às oito. Espero-lhe no último andar daquele prédio abandonado da esquina. Espero-lhe, Arthur. Por favor, não demore.

Com amor - e bastante saudade,

sua Júlia.

________________________________________________________

Júlia e seus (nossos) amados pontinhos no céu.

Querida Júlia,

é incrível como você consegue se perder em suas próprias palavras. Todos achavam-na estranha por isso, lembra-se? Você sempre foi confusa demais. Você sempre foi pura antítese, menina, e eu sempre admirei isso em você. Não me pergunte como, pois nem eu, dono de tal pensamento, conseguiria lhe responder uma pergunta tão complexa e cheia de caminhos possíveis a serem perseguidos.

Ainda assim, admiro, também, a forma como você brinca com as palavras enquanto me escreve. E me descreve. É incrível como coloca todos os seus pensamentos no papel. Por que não usa um corretivo, pequena? Seria bem mais fácil do que persistir em afirmar e negar seus sentimentos constantemente. Seria bem mais fácil do que deixar claro sua fraqueza quando o assunto sou eu. Ou estrelas, quem sabe. Você sempre teve um amor inexplicável por ambos. E a pergunta que não quer se calar dentro de mim é: qual desses amores perdura em você?

Ao meu ver, seu amor por estrelas é maior que seu amor por mim. Você não consegue negar esse amor a ninguém. Você sempre deixou bem claro que ama o céu noturno, a noite, e todas essas coisas. Eu amo também, devo dizer. Porém, esse amor nunca foi capaz de superar o amor que eu sentia por você. Você sempre foi única para mim, sempre foi especial. E eu não tenho receio algum em dizer-lhe isso. Houve um dia em que prometemos compartilhar sonhos, paixões, receios e anseios. Por que deixamos isso ir embora? Por que não cumprimos nossa promessa?

Não te culpo por isso, de forma alguma, mas vê se me entende: se você me ama, deixe-me saber. Não aguento mais essa dúvida. Não aguento mais olhar para as estrelas e pensar em você. Só contigo compartilhei esse amor, Júlia. Só contigo contei estrelas como contava os dias para que nossa união se tornasse eterna. Eu planejava me casar com você, ter filhos contigo, e ser feliz ao seu lado, contando estrelas todas as noites, deitado no chão e adormecendo por lá.

Ainda sonho com isso, apesar dos apesares. Estou sempre pensando em você, pensando em você, pensando em você. E não tento esquecê-la, pois sei que você foi o melhor que eu já tive. Você sempre foi a melhor. Desculpe-me por parar de escrever com o passar do tempo. Pensei que você tinha seguido em frente sem mim, e fiquei extremamente feliz ao ver seu nome no remetente da carta anterior. Minha escolha é você, pequena Júlia. Sempre foi, e sempre será.

Estarei lá amanhã. Prometo-lhe que estarei lá. Vestirei aquela blusa verde que você tanto ama. Aquela do nosso primeiro encontro. Estarei lá, com você, segurando suas mãos frágeis e contando estrelas mais uma vez.

Com amor - e bastante ansiedade para te ver,

seu Arthur.

________________________________________________________

Arthur e seu (nosso) cruel destino.

Querido Arthur,

recebi, hoje, sua carta em resposta, juntamente de um breve bilhete com caligrafia alheia e desconhecida, e palavras que fizeram meu mundo desabar.

Júlia,

desculpe-me por ter lido a carta endereçada a você, mas senti a necessidade de ajudar de alguma forma. Eu estava saindo de casa em direção ao meu trabalho, quando um caminhão de cargas ultrapassou o sinal vermelhor e colidiu com uma pequena moto. Todos da rua se paralisaram ao ouvir aquele barulho ensurdecedor e ver aquele garoto voando longe. Voando, sim, literalmente. Corri para ajudá-lo, mas já era tarde demais. A respiração já estava no seu fim, o coração quase não batia. A vida daquele garoto havia sido interrompida por um caminhoneiro estúpido e sem coração.

Encontrei tal carta em meio à destruição causada pelo acidente, e decidi que deveria lhe justificar a ausência do seu menino hoje à noite. O amor de vocês é incrível, Júlia. Pude notar isso pelas palavras carregadas de sentimentos escritas naquelas cartas. Não deixe que isso acabe. Quanto às estrelas… Encontrei um pequeno pedaço de papel, junto às cartas, com o número “351”, e um rabisco “fiz a contagem ontem à noite por você… Por nós”.

Eu sinto muito pela sua perda, Júlia. Espero que fique tudo bem.

Atenciosamente,

uma pessoa qualquer.

Não, Arthur. Isso é mentira, não é? É apenas uma tentativa sua de brincar comigo, certo? Meninos são assim mesmo… Não, não. Você estará lá hoje, eu sei disso. Você estará lá, com aquela camisa verde que te deixa tão bonito, e aquele perfume hipnotizante que você insiste em usar. Eu vou te esperar, meu Arthur. As estrelas esperam por nós. Eu vou te esperar, eu vou…

Com amor - e uma pequena esperança que ainda resta,

sua Júlia.

________________________________________________________

Arthur e seu (nosso) fim.

Querido Arthur,

devido à informação completamente atordoante recebida junto de sua carta, acabei não respondendo a nenhuma de suas indagações. Não sei o porquê de escrever-lhe agora, uma vez que nenhuma dessas palavras serão lidas por você. E você nem imagina o quão difícil é escrever para um alguém que não está mais aqui. Aquela era nossa chance, Arthur. Era a chance do nosso reencontro. Era a chance de ficarmos juntos para sempre. Era a chance de sermos felizes um ao lado do outro. E tudo isso se esvaiu em uma fração de segundos. Um caminhoneiro insensível ultrapassa o sinal vermelho e tira a sua vida. E tira a minha vida. Nossa vida. Você já percebeu isso? Tudo que é seu é meu também. Nossas estrelas, nossos amados pontinhos no céu, nosso cruel destino. Nosso fim.

Acabei contando estrelas sozinha ontem. 352.

Será aquelas lendas infantis estão corretas? Nós viramos estrelas, Arthur? É possível que sim. Nós, amantes da noite, tornamo-nos estrelas ao morrer. E você foi uma delas, meu menino. Você estava lá comigo, como prometido.

Minha escolha é você, meu Arthur. Sempre foi, e sempre será. Obrigada por cumprir sua promessa. Obrigada por não ir embora. Eu não deixarei esse sentimento acabar, meu bem. Prometo-lhe que sempre estarei contigo, como você prometeu estar comigo naquela noite fria de ontem. Eu te amo, eu te amo demais. E, infelizmente, não sei como posso responder sua pergunta. Você é uma estrela agora. Como meu amor por você poderia ser maior que meu amor por elas? Não sei, é tudo complexo demais. Nós dois juntos sempre fomos complexos. Eu sempre fui complicada, você sempre admirou isso em mim, mesmo sem ter motivos. Nós nascemos para ficarmos juntos, meu Arthur.

É por isso que renuncio tudo para estar ao seu lado nesse momento. É por isso que decido, a partir de agora, que virarei estrela contigo. E, daqui de baixo, outros casais poderão nos admirar como costumávamos fazer antigamente. De lá de cima, daremos as mãos, e iluminaremos o céu noturno. Nosso céu. Essa é a minha escolha, Arthur. Serei estrela ao seu lado.

Com amor - e só,

sua Júlia.

Raíssa César
Enviado por Raíssa César em 03/02/2012
Código do texto: T3478438
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.