Não lota as malas.

Olá. Há muito tempo não nos falamos. Imagino que você já tenha arrumado suas malas lotadas, deixado aquele seu apartamento tão pequeno, arranjado outro alguém, e esquecido-se de mim. Era inevitável. Seus invernos, uma hora ou outra, deveriam se transformar em verões quentes e aconchegantes. Seus lábios macios deveriam experimentar outros sabores, seus olhos deveriam repousar sobre outras faces, suas doces mãos deveriam acariciar fios rebeldes dos cabelos de outrem, seu corpo quente deveria se recostar em outros terrenos molhados para observar outros céus estrelados.

Por saber disso — e não só por isso — é que sinto-me tão insegura ao escrever-lhe mais uma vez. Acho que você conseguiu sentir essa minha inquietação desde o começo, não? Nossas palavras carinhosas foram trocadas por um frio e hostil cumprimento existente entre dois desconhecidos. É isso que somos agora. Des-co-nhe-ci-dos. Suas músicas não combinam mais com as minhas, você não se veste para me encantar, seus amigos me são estranhos. Não falamos mais a mesma língua, não compartilhamos da mesma vida.

Eu te disse, porém, para não lotar tanto assim suas bagagens. Carregar muito peso vai te fazer mal, e logo, logo, você vai precisar ir ao médico. E eu conheço muito bem o seu medo de médicos. Ou será que isso também foi deixado de lado? Eu sinto falta de cuidar de você. Sinto saudades de insistir para que você fosse ao doutor Marcus regularmente, porque ambos sabíamos que era o melhor para você, por mais que você nunca admitisse isso.

Não lota as malas, amor. Eu posso carregar um pouco desse peso novamente, se você permitir. Eu posso pegar em suas mãos, entrelaçar meus dedos aos seus, e caminhar ao seu lado. Eu posso te ajudar na mudança, você não precisaria ir embora, se tudo o que você queria eram dias novos. Nós podemos fazer isso juntos. Eu posso pagar alguém para levar seus móveis para nossa nova casa, enquanto nós caminhamos naquele nosso parque preferido. Ou você já tem um novo lugar favorito? Você poderia me levar lá, também.

Eu posso fazer você se apaixonar por aquela grama verde, por aqueles cantos encantadores dos pássaros que voavam acima de nós, por aqueles pique-niques tão incríveis, pelo pudim de chocolate no seu nariz e pelo suco de morango misturado ao suco de coco no doce repousar do seu lábio no meu. Eu posso te levar a qualquer lugar, se você não lotar as malas. Eu posso ir contigo, se você deixar. Eu posso te ajudar, se você quiser. Eu posso fazer de nós tudo o que éramos antes, meu amor. Eu posso fazer você ficar dessa vez. Para isso, porém, você tem que voltar. E, isso, eu não posso — nem conseguiria — te convencer a fazer.

Raíssa César
Enviado por Raíssa César em 19/04/2012
Código do texto: T3621955
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.