Uma carta para a menina com asas

Havia te prometido uma carta.

Hoje em dia, cartas já soam como algo antiquado... Eu sei.

mas eu sou uma pessoa antiquada, então acho que é bem a minha cara.

Durante a viagem de volta para Ribeirão Preto, eu tive alguns sonhos bastante estranhos.

Não me lembro de todos, mas lembro de uma frase que me veio num deles.

“Ao destino se reservam todas as ironias”

Tenho o costume de ter sonhos estranhos, com ideias estranhas, sensações estranhas...

mas o engraçado foi que parte do sonho era sobre justamente como eu iria escrever esta carta.

Passei o resto da viagem pensando nisso.

Ironia... uma grande ironia.

Eu vinha me lamentando do rumo da minha vida já há alguns meses. Vinha desapontado com o fato de ter perdido a capacidade de sentir as outras pessoas. Capacidade de me conectar, de compartilhar um pouco de mim.

Talvez por que não vinha encontrando pessoas com quem eu quisesse me conectar.

E então, no ultimo dia, eu vejo você ...

parecia um filme de sessão da tarde... passava uma sensação de naturalidade, uma sensação de casa...

Você estava lá, dançando, em parte fora de si... no lugar certo... na hora certa... com as pessoas certas...

Eu te abracei, do jeito que gosto de abraçar as pessoas que gosto (por mais que muitas achem estranho aqui no sul/sudeste) e você simplesmente me sorriu.

Tudo pareceu estar no devido lugar quando eu tinha você nos meus braços, quando senti o perfume dos teus cabelos, quando te ergui alguns centímetros no ar...

Mas eu hesitei... por alguns momentos eu não soube o que fazer.

Não estava acostumado a ter as coisas todas no lugar certo!

Enfim, toda e qualquer dúvida sumiu quando eu te beijei

Porque ali, tudo era simples...

Você me disse que estava um pouco tonta.

eu te abracei e você me sussurrou

“ainda bem que você está aqui”

Você fez tudo parecer tão simples.

Você fez um nordestino que mora em São Paulo, um peixe fora dágua se sentir em casa.

talvez porque você tenha gosto de casa.

Então eu te chamei de Risoflora...

te expliquei que era o nome de uma musica...

uma musica que fala da paixão de um Pescador marginal por uma lavadeira.

Por que ela fala de uma paixão simples, de pessoas simples, que gostam de coisas simples.

Você me fez sentir como aquele pescador marginal...

quando ele diz,

“ô Risoflora, vou ficar de andada até te achar”

“Eu sou um caranguejo e estou de andada, só por sua causa, só por você”

Me senti sim um caranguejo de Recife, de andada por aí, e naquela noite tinha encontrado minha Risoflora.

Eu digo, momentos fantásticos podem acontecer do nada. Mesmo que durem apenas uma noite, não deixam de ser momentos fantásticos.

Não sei se ele vai durar mais do que isto, mas posso te dizer, que você me deu uma noite perfeita. Te levei como uma flor, nos meus braços, para o meu canto e te vi adormecer do meu lado...

Senti você procurar meu corpo quando tremia de frio. E isto tudo não se pode descrever como menos do que fantástico.

Tive certo receio de você querer ir embora quando acordasse.

mas você ficou...

e aí eu volto para a Ironia.

24 horas antes eu acharia isto tudo impossível.

Quando estávamos um do lado do outro, já de dia, derretendo de calor naquela tenda...

Quando eu olhava nos teus olhos e você ficava sem graça, eu me lembrei de um fato especial que me ocorrera.

há uns meses atrás eu escrevi uns versos de forma meio impessoal.

não me inspirei em ninguém, o que é raro quando escrevo.

me inspirei num desejo... no desejo de sentir algo assim.

Você preencheu o meu vazio

Como um sabor novo, que virou vício

eco da minha voz, num precipício

como a fumaça do meu cigarro.

A queimadura na ponta do meu dedo

Meu doce, meu salgado, meu azedo

Meu calor, minha febre e o meu frio

Invadiu-me sem tomar conhecimento

Mudou tudo de lugar em um segundo

inverteu os polos do meu mundo.

E com isto, me deixou perdido.

Tomou posse dos espaços em meu peito

Arrumou tudo do seu jeito

Carne, sangue e sentimento

Não durmo mais relembrando o teu beijo

o aperto dos teus dentes

Toque de lábios ardentes

Teu perfume, teus cabelos, teu pescoço

imagino o calor dos teus abraços

seu corpo preso entre os meus braços

E hoje, tudo se resume a este desejo

Os versos resumiam o que eu estava sentido ali... e foi algo que mexeu comigo.

Sem querer me alongar muito mais, já que sou terrivelmente prolixo, quero dizer que sentirei muita saudades de você e do que dividimos.

Não sei o que vai vir pela frente, mas fico feliz com o que aconteceu.

Lembrarei para sempre da garota que tinha asas

dos lábios com gosto de casa

da imensidão de seu olhar

de sua carne, ansiosa por amar.

Rômulo Maciel de Moraes Filho
Enviado por Rômulo Maciel de Moraes Filho em 02/05/2012
Reeditado em 02/05/2012
Código do texto: T3646455
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