CARTAS DE LISBOA
CARTAS DE LISBOA
Ano 2012
Aos nove dias de Fevereiro
As "Cartas de Inglaterra"lidas há pouco, ocorreram-me o desafio de escrever também "Cartas de Lisboa", assim como se fosse um embaixador a fazer relatórios para ninguém. Na verdade eu posso ser um embaixador, mas da província residente em Lisboa e sem credênciais senão as que tomo sem licença.
Oitenta e cinco anos são idos desde que eclodiu e se exauriu a última tentativa armada de oposição à ditadura.
Oitenta mortos no Porto, setenta em Lisboa. Que brutalidade!
Foi por essa altura que se criou a polícia política, e tão bem criada, que foram precisos quse cinquenta ano para surgir um novo movimento que vingou e não fez mortos.
É verdade que visto á luz dos dias de hoje, centena e meia de mortos, como nesse tempo parece só ser possível lá pelos países árabes.
A vida na Europa foi valorizada, e os serviços de saúde entretanto criados, até a prolongaram.
Tantos mortos em 1927 é hoje um espanto. Há História que se deve lembrar.
Cá "nesta Lisboa que eu amo", não me lembro quem disse, mas não fui eu, ainda ontem me bloquearam o carro, cortaram-me o sinal da TV, o clima pôs-se muito frio, a energia muito cara, os transportes caríssimos, as habitações, desabitam-se e os idosos morrem sózinhos apartados nos seus apartamentos, palavra que nunca pensei viesse a atingir um tão profundo significado.
Apartamento!!
Nem tudo em Lisboa vai mal como o Sporting; o fado ergue-se como património imaterial da humanidade.
No imaterial sempre fomos bons, mas quando passamos ao material, falta natureza para gerir.
Entretanto os lisboetas e outros, continuam a conduzir-se em Mercedes, Audis e BMs, clamando em simultâneo contra a Senhora Merkel.
Os fundos da Europa vieram em tempos, generosos e solidários, construindo-se com isso um belo esqueleto (chama-se infra-estruturas) de auto-estradas, alquevas, saneamentos, estádios de futebol, piscinas, marinas, jardins passeios e halógenicos candieiros, feéricamente iluminando ninguém.
Mas o tecido produtivo foi-se atrofiando, deslocalizando e evaporando.
A frota pesqueira foi abatida, as vinhas que não convinham à Europa, e as oliveiras idem.
Somos entretanto detentores do tal esqueleto exposto cujo tecido muscular definhou e morreu.
Quem nos comeu a carne, prepara-se para nos roer os ossos.
E depois onde vai comer?
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CARTAS DE LISBOA
10 de fevereiro
O frio e a seca continuam, mas Lisboa felismente não desce aos zero graus. Bragança ultrapassa mas não tem neve.
A seca alastra ao país todo. Os agricultores no Alentejo estão à mingua de àgua, apesar de comtemplarem o maior lago artificial da Europa. Paradoxos!
Tudo que se constroi em Portugal é o maior da Europa ou do Mundo.
Esse vício vem talvez desde Mafra, no entanto basta ir aqui bem perto a Salamanca ou Mérida e as nossas dimensões encolhem drásticamente.
Estamos a dez dias do Carnaval que o Governo este ano não tolera, mas muitos concelhos toleram e aderem.
Sempre tiveram muita força os concelhos em Portuga,mas quem tem mais são os presidentes. Unidos jamais serão vencidos.
Como vai então fazer-se a reforma administrativa?
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14 DE FEVEREIRO
Só não estamos a meio de Fevereiro porque o ano é bissexto, o que é pena, porque quantos menos dias tiver o inverno melhor.
Não gosto. Só fica bem em fotografia. Casinhas com telhados brancos e chaminés soltando fumo negro em contraste, montanhas alvas de neve e campos com árvores como candieiros; tudo de uniforme branco.
É lindo de ver, não de sentir.
Claro que há invernos sem neve, mas não sei se é ainda pior. Vento, chuva, granizo, inundações, desabamentos. Livra!
Como dizem os "Ena pá 2000", eu gosto é do Verão! Mas pensando bem talvez a primavera seja o melhor tempo, mas quase já nem se nota.
Primavera e Outono são estações que têm vindo a ser engolidas pelas vizinhas, pelo que já não sei para que servem os solstícios e os equinócios. Talve para festas e astrologias rendosas.
Engripei á pouco e já depois disso apanhei uma forte constipação. Daí que esteja com esta fobia ao inverno, e além disso, eu não queria dizer, mas é que também já conto setenta invernos e isso conta. Se bem que possa não contar dois que não vivi, por estar em Angola.
Assim posso dizer sem mentir, que conto sessenta e oito invernos.
As Forças Armadas pouparam-me na Guerra Colonial dois invernos da vida e a própria vida que sobrou até hoje.
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CARTAS DE LISBOA
17 de fevereiro 2012
Um alegre alarido desviou-me o espírito e os passos para a rua, onde um desfile de infantis figurinhas de fadas, cavaleiros, bruxas, cow-boys,damas antigas, ardinas, varinas, reis, rainhas, princesas, saloios, campinos, pescadores, polícias, e polícias adultos e de serviço ao desfile, impunham passo de procissão ao acumulado trânsito que, óh espanto, não buzinava, e rolava pianinho como dá gosto ver.
Esta é uma pura manifestaçao de fantasia que desceu à rua, ladeada de papás babados e sorridentes e peões especados de encanto.
Também sofri contágio.
Reconheci a Alice,e escapou-me o Vicente no disfarce, meus "velhos" amigos feitos de caminho para o jardim de infância.
O dia ficou mais claro de sorrisos.
O Carnaval é uma terapêutica, mas este ano o PM, optou por não passar a receita do costume, talvez por respeito ao Ministro e aos seus cortes na saúde.
Haja saúde... financeira.
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CARTAS DE LISBOA
18 de fevereiro 2012
Há dias, neste aquário em que me sinto; sinto a condição de ser exposto em alvo, ou anulado em objecto do equipamento,como as plantas, os quadros ou o tapete.
Aí recorro ao meu universo, de evasão, ausentando-me sem ninguém me ver à transparência do vidro destas paredes, e erguendo-me do chão cinzento que me prende mas não sustenta, torno-me autista e logro então flutuar noutro aquário paralelo.
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CARTAS DE LISBOA
28 de fevereiro
Hoje o nevoeiro reduziu a nítidez do espaço visível. Não é denso e espesso o nevoeiro, mas é bastante para fazer emergir imaginadas figurações do real; castelos de bruma, baças florestas de indistintos grifos, fadas e gnomos; esperanças, anseios e receios erguendo-se em ecos projectados na tela desta poalha de névoa branca.
Mas ao zénite do sol, todos os receios e esperanças, bruxas e fadas cedem ao azul brilhante e um sol cruel.
A seca continua.
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1 de março
E as chuvas vieram, sim. Não se trata de chuva uniforme por todo o território nacional, mas de aguaceiros mais ou menos fracos, disseminados, sem orientação para as nececidades e zonas mais carentes.
Caem à sorte, encharcando campos pelados de futebol ou areais e ignorando a horta ao lado ávida de umas gotinhas de misericórdia.
A seca tem sido tão profunda que já havia contactos com empresas manda-chuva.
Uma destas com sede em Bragança dispunha-se a vir mandá-la cair no distrito de Bragança.
Acontece que Bragança perguntou a Bragança, se havia nuvens; e não havia.
Então do Brasil eles falaram:
Sem ovos não se fazem omeletes!
A ciência não está afinal assim tão desenvolvida e a seca continuou.
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7 de março
No rio Rabaçal os peixes morrem, em Sines morrem os pinheiros e por todo o Sul, onde as há morrem as palmeiras.
Que me impoprta a mim!
Se os peixes do Rabaçal não chegam à minha mesa, nem os os pinheiros que são bravos morram(benfeito) se me não dão pinhões e se das tâmaras de Sines nunca ouvi falar.
A esta Lisboa que eu cheiro, já sem saber se é gás ou similares o que me envolve, é indiferente a morte dos pinheiros, dos castanheiros, das palmeiras, dos peixes do Rabçal ou das lampreias do Minho.
A cidade sitiada só se comove e vibra com o Coliseu da Luz, o Rock in Rio, o fatal fado e vá lá o Santo Atónio.
O cerco da cidade, feito de peixes mortos, árvores agonizando e hortas secas não é visível na urbe.
Todos os produtos estão nas prateleiras e bancas do super mercado, cada vez mais altas para um povo que não cresce.