Carta pra não voltar

Querido Júlio,

A lua já foi cheia três vezes e eu não mais sinto sua falta. Estava aguardando esse último ciclo se fechar pra poder dizer de boca cheia:

TRÊS VEZES.

E mesmo assim, parece-me que faz pouco tempo que a gente estava naquele jardim. Deitados, ruminando nós mesmos num desesperançoso descaso com a vida, com as festas, com as coisas que acontecem sem nós pedirmos.

Nós jamais esperaríamos uma traição tão grande de nós mesmos. Eu nunca esperaria de mim esse silêncio de consenso; Você nunca imaginou que me pediria pra partir. Mas a questão é que nós dois nos calamos por força maior. Estava lá, o destino batendo à nossa porta. Como poderíamos fugir dele?

Um último café, um último cigarro, um último beijo? Não, não houve. A pressa, o pesar, a lágrima, impediram.

Mas eu me beijei no espelho imaginando que era você. Na época, pensei que éramos indivisíveis. Que tolice..

E agora escrevo com o intuito de me fazer compreender. Com a esperança de que você não me responda e não volte. Por que o tempo passou e novos amores estão à espreita. Pra ambos, creio eu.

A chuva não mais caiu e nós esquecemos de adubar o solo para o inverno. Conscientes ou não, ambos estávamos de saco cheio de sempre manter as flores bonitas, os arbustos podados, a grama perfeita.

Então, vamos dizer que o final já havia começado há mais tempo, a gota d'água foi a marca de beijo em nossos pescoços. A letra diferente em bilhetes guardados no bolso. O sorriso de uma felicidade alheia à nossa.

E ambos nos sentimos aliviados por não sermos somente nós dois mais.

Pois bem, te peço agora pra não voltar, imaginando que você não voltaria nem que eu não fizesse esse pedido. Mas é sempre bom reafirmar.

Por que, de repente, o tempo nos faz achar que aqueles eram bons tempos, que não houve traição e, por fim, que as flores nunca morreram.

Beijos, se cuide e se entregue. Apanhe e sorria. Sofra e se lembre de como é fazer alguém sofrer.

E, como sempre, um brinde ao buquê de flores já mortas.

Talita