Jayro Luna por Uilcon Pereira: Os Evangelhos do Rock!

OS EVANGELHOS DO ROCK

Uílcon Pereira

Jairo, parabéns pela sua luta na poesia. O seu Bagg’Ave e o seu Ópium são dois evangelhos do rock materializados em poesia. Aqui em Marília estou dando aos alunos alguns de seus poemas e solicitando que eles façam interpretações. O tema da contracultura e do rock é um grande atrativo para que os jovens discutam a poesia, uma vez que você não faz só a poesia do rock, o que você faz é mais, é a poesia no rock. Em “Cavaleiro Menestrel Errante”, por exemplo, que me faz lembrar um pouco a figura dum quixote contemporâneo, pós-moderno, podemos ver essa coisa (1). Em “Disco Riscado” o dístico final que fecha seu soneto inglês (“E aquela canção do outro lado / - Side B - do disco riscado”), ali não se fala, penso, da canção esquecida no outro lado do disco, mas se fala da poesia, a poesia é nessa nossa sociedade, aquilo que está do outro lado do disco, e ainda, por cima, um disco riscado que repete sempre as mesmas idéias e frases. É preciso vencer o risco, correr o risco para poder dar seqüência à melodia. A poesia é o futuro da humanidade (2) e esse futuro está do outro lado do disco-realidade.

O palíndromo em “Rock” (3) e o palimpsesto em “Rock Barroco” abrem uma boa discussão acerca dos valores da poesia atual, a quebra da tradição, o passado que emerge na leitura do presente. Isto também pode se ver em “Cantiga Moderna” em “Ruínas” e em outros vários exemplos.

Sua poesia consegue sobreviver da matéria orgânica em decomposição do underground, é como um vírus mutante que se revolta contra o meio e começa a devorá-lo antropofagicamente. É como uma implosão do confessionário (4). Você vai esquartejando o horizonte de eventos abrindo novas possibilidades, resgatando a vida e a liberdade criativa do poeta.

E aí você faz aquele rascunho de garrafa de coca-cola saltar do meio do seu livrote como se quisesse inundar a mente do leitor da mais pura reação de surpresa ante a possibilidade concreta da poesia em revolucionar a percepção da realidade, ou naquele “Rock’n’Roll” numa grande jogada ao modo do Anastácio Ayres de Penhafiel desentravando de lá do meio da expressão inglesa um coro contínuo que fica ecoando em sinestesia pelos olhos e pelos ouvidos e, por fim, pelo nariz e pela boca.

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Uilcon Pereira (1956-1996), carta manuscrita enviada em 14/abril/1986, escrita em folha de sulfite dobrada.

Em Outubro de 1986, Jayro Luna publicou uma matéria sobre a obra de Uilcon Pereira no folhetim Mimeógrafo Generation, que passou a figurar como referência em quase todas as orelhas dos livros publicados por Uilcon.

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Notas:

1.Parece ser uma alusão ao personagem de Uilcon Pereira no Livro de Biúte (Scortecci, 1986).

2.Veja em Ruidurbano: entre/vistas, Macondo, p. 99.

3.Na edição de 1984, o poema em Bagg’Ave se chamava “Rock” e era um único verso em palíndromo colocado como um quadrado mágico: “ÉASAE / AMORA / SOLOS / AROMA / EASAÉ”. Na edição de 2006 o poema se chama “Eco Palindrômico” e é bem mais extenso, com várias outras referências.

4.Referência ao título do livro de Uilcon Pereira: A Implosão do Confessionário (1984).