Carta ao poeta Drummond

Barreira, 05 de Outubro de 2012

Caro Drummond,

Detenho-me hoje sobre um tema de redação solicitado em um dos vestibulares da UECE – Universidade Estadual do Ceará -, universidade querida da minha cidade natal, Fortaleza. Por que digo querida? Porque tenho gosto pelo que me pertence, o que é originário da terrinha em que nasci – belos mares, talentos ao vento, culinária invejável, povo bom pra valer. Também você, outrora, tantas vezes enalteceu a pequena Itabira – feita de ferro como seus filhos ou seria o contrário?

Bem, voltemos ao tema da solicitada redação. A sugestão era para que os vestibulandos interagissem com o texto “Murar o Medo”, do moçambicano Mia Couto. E escrevessem uma carta dirigida ao autor, discordando ou concordando com os argumentos apresentados por ele. Pus-me a pensar: o que nossos jovens poderiam dizer sobre o medo? Sentem eles medo? Têm consciência do perigo que nos cerca e cerceia nossa liberdade? O que dizer da nossa individualidade? Temos nas mãos o próprio destino?

Não sei - diante dos meus quarenta e poucos anos sei quase nada da vida ou talvez desaprendi dela. Desaprendi a confiança, desaprendi a crença, desaprendi a sinceridade. E por isto escrevo a você, meu poeta tão querido. Você que já pertence à outra dimensão e tão bem teceu poemas, verdadeiras partituras sobre o medo. Peço licença para inquirir sobre seus versos: “Fomos educados para o medo”; “Nascemos escuro. Nosso destino, incompleto”.

É este o pensamento que tenho ou que me tomou nos últimos dias - educamos as nossas crianças para o medo como também fomos educados para ele. Nesse aspecto, somos iguais aos nossos avós e pais. Agimos como se estivéssemos ainda na Caverna de Platão. E há mais de 2000 anos acreditamos que estamos condenados a ver sombras a nossa frente e a tomá-las como verdadeiras.

E agora, Drummond? Chegará o tempo da liberdade? Há uma receita para desaprender o medo e aprender a esperança? Há respostas possíveis?

Não intento falar sobre o medo, pois estou cheia de uma porção deles; também não me atrevo a falar do futuro – está desacreditado. Não tenho receitas, mas tenho sentimentos e falo do presente ao recordar agora de outros versos seus: “O presente é tão grande, não nos afastemos. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas”. É essa a sua receita, poeta? Um dia a ser vivido por vez – uma mão amiga, um ombro para sufocar as dores?

Talvez, não nos afastemos. Aprendamos, enfim, a conviver com o medo nosso de cada dia e, especialmente, reaprendamos a conjugar o verbo – chamado pelo poeta - “fundamental essencial/ o verbo transcendente, acima das gramáticas/ e do medo e da moeda e da política/ o verbo sempreamar/ o verbo pluriamar/razão de ser e de viver”.

Façamos, pois.

Saudades sempre do poeta do amor e da esperança - abraços da amiga,

Mariazinha.

RosalvaMaria
Enviado por RosalvaMaria em 06/10/2012
Código do texto: T3918972
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