ALFAIATE DE SENTENÇAS



O primeiro dedal não era de aço nem de ouro. Podia ser de couro. Do couro da sandália sertaneja, do chicote de açoite ao cavalo, da sela que assenta o vaqueiro, ou do gibão, com cheiro de suor bem suado. Foi-lhe dado por Oscar, que o ensinou a alfaiatar. Fez do seu modo diferente, junto com Dina, criando num Belo Jardim a mais linda semente, pra toda essa gente encantar. De muitos banhos do Bituri, de muita poeira do lugar. Com olhar de menino curioso, vendo o vagão de trem a lhe cortar — a cidade das serestas ao luar.

O dedal virou ferro e foi para o dedo anelar. Recebeu uma pedra vermelha que logo se pôs a brilhar. Era da cor do sangue, o mesmo que destilou ao chorar as lembranças da infância pobre, pelas bandas de cá. Na vida, desde cedo começou a se destacar. Uniu-se a Léa, que lhe deu o anel do amor para usar, trazendo-lhe as cores de domingo, que somente ele sabe declamar. Inquieto, de bacharel e promotor a juiz, entrou logo a julgar. Suas decisões sempre foram na medida certa, como lhe ensinou seu Oscar.

Sua caneta serpenteou no papel, como a tesoura amolada abre a trilha do riscado. Deixou sempre no seu corte o tecido certo para a feitura da veste, afastando aquilo que sobejava. Na primeira prova, já se via que a indumentária estava perfeita, sem reparos a reclamar.

O vinco, era sua inigualável segurança no Direito. O caimento, vinha do profundo conhecimento da matéria. Seus despachos, ecoavam nos corredores do fôro com a tranquilidade dos botões que encontram a casa perfeita para passar. A linha, era pura sabedoria que desenrolava de um novelo interminável, fonte sem fim de tanto saber. A agulha, manuseada com zelo, podia ser uma bic, mont blanc ou de tinteiro, mas sempre corria no papel com muito esmero.

O terno assim acabado, era um julgamento preciso, justo e elaborado. Inimigo da linguagem confusa! passava na mão de outros que até podiam lhe remendar mas, sua grife mágica permanecia, estampada na etiqueta bordada. Não adiantava lavar, bater ou enxaguar, sua sentença prolatada mais parecia roupa nova, festeira, sem amarrotar, daquela que nobre usa e reles nem pensar.

Hoje, ao completar setenta anos, no auge de seu vigor intelectual, por uma dessas imposições absurdas da lei, se aposenta o grande talhador de peças judiciais. Seus últimos ternos estão sendo colocados no roupeiro de nossas memórias. Seus escritos vão ficar, jamais vão amarelar. Quando as dúvidas surgirem, usaremos suas idéias como ferro de engomar, e saberemos que o terno, outra vez nos servirá.

Devemos-lhe essa gratidão. Que seja nossa eterna lição, meu querido Des. Itamar — alfaiate de sentenças — o seu jeito de sentenciar.
MARCELO RUSSELL
Enviado por MARCELO RUSSELL em 21/06/2013
Reeditado em 25/06/2013
Código do texto: T4351509
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