Não fazia mesmo sentido...

Ao decidir te escrever essa carta me veio à mente você, com menos de um ano de vida, a se sacudir todo, levantando e sentando freneticamente no colo da sua mãe, tentando fazer andar o ônibus, que parara num ponto qualquer, em Realengo, no Rio de Janeiro, onde morávamos, como se pudesse levar o veículo a continuar a viagem. Também lembrei da queda que levou, da laje ao chão, quebrando a perna, ainda com um ano e meio, sem maiores traumas apesar da altura em que despencara. E aí veio meu alívio.

Qual alívio? O alívio de quê, um cara que cai duma laje de três metros e só quebra uma perna tendo ele apenas um ano e meio de vida, não terá sido por acaso. Não teria sido para hoje, tendo superado tantas adversidades que a vida lhe (nos) apresentou até aqui, agora com quase trinta e dois anos, se auto destruir.

- Como uma coisa, seja a coisa que for, levaria a, voluntariamente, se retirar de cena um cara que jamais se deixou abalar por dificuldade alguma, e que jamais temeu a assombração que fosse?! Me perguntei. E, concluindo que não faz o menor sentido, aclamei minha angústia.

Sim, por que vir a imagem do cara que aos dez anos me chamou para montar uma fábrica de doces sem que visse impedimento algum mesmo na dureza em que vivíamos, me afirma que nada do que vinha me trazendo a essa agonia de agora poderia fazer sentido. Vir a imagem dum cara que tentou fazer andar um ônibus de dez toneladas tendo ele menos de dez quilos, me diz que não deverá ter nascido para ser consumido por uma perda qualquer. Por perda nenhuma. Pois ele nascera para triunfar ao final.

Também não posso esperar diferente, dum cara que vive dizendo que se orgulha do pai que tem e a quem logo cobrirá de orgulho com suas atitudes, já que ainda está a construir tal cobertor e que desistir jamais foi soletrado em seu dicionário. Justo por saber que perseverar é a marca registrada desse pai. Lembra?

Aqui pensando, ainda mais, no pânico em que me deixa ao tentar acompanhar seu raciocínio nas conversas que sempre temos, sem que consiga, eu que tantos me pensam tão inteligente, me convenço que não há outro a fazer senão me preparar para rirmos juntos por atravessarmos a situação ainda esses dias. E melhor, celebrando com a velha e boa sem álcool da Itaipava. Posto que, a uma hora dessas, já deve ter refletido sobre o tanto de sucesso que te espera.

Sabe, aquilo de você, tão pequenino, se balançar daquele jeito no afã de fazer andar aquele peso todo, não era nada do inconsciente duma criança, mas indicativo de que para você não haveria barreira que pudesse te impedir de seguir. E lembrar que te vi, à noite, aos 10 anos, sair daquele bosque cheio de cobras sucuri enormes, sem temor algum, onde se refugiara só para escapar dumas palmadas, me trouxe outra certeza: a de que você é um destemido ou, como diz um amigo nosso, um desassombrado. Logo, não do tipo que se ajoelha para morrer sem lutar. É meu filho.

Aqui, uma frase de Abraham Lincoln, que sempre recomendo aos de disposição para a vitória: 

"(...)Por mais que você encontre dificuldade pelo caminho, não desista. Pois saiba que o campo da derrota, não está povoado de fracassos. Mas de ‘homens’ que tombaram antes de vencer!".

Cara, estou renovado, preciso retirar essas botas e guardá-las para outras possíveis batalhas, quem sabe, mas não esta mais. Convicto que estou que não permitirá que mal algum se sobreponha a você. Ontem não me sentia assim. Achava que a luta ainda seria grande. Mas essas lembranças me soam como a corneta que sopra mais essa vitória em nossa vida.

(Meu pai, meu amigo! Esse é um homem que admiro muito. - você escreveu isso em algum lugar. Volte lá...)

AMO.
Antonio Franco Nogueira
Enviado por Antonio Franco Nogueira em 07/08/2013
Reeditado em 19/09/2014
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