Caso especial

Na minha escola estuda um garoto muito especial. Não que seja o único numa escola tão grande, carregado de pessoas, histórias, vidas vividas e sofridas. O fato é que meu olhar sobre ele é curioso e especial. Vejo solidão num sorriso opaco. Sinto que dentro dele mora um rio de águas fortes, abundantes que ele represa. Não sei até quando, pois sinto que, no fundo, quer desaguar no mar. Desconfio que vá dar num mar revolto, resoluto.

Este garoto de incursões inteligentes, sensibilidade e habilidades escolares além da média, esconde o que pode no baú naufragado no fundo do seu rio, mas não consegue esconder tudo, pois sua sapiência é flagrante e salta como peixes na piracema.

Sei pouco dele do lado de fora dos muros da escola, entretanto, entre indícios e relatórios escolares de vida de aluno nos compendiados arquivados, percebo o fardo pesado. A dura caminhada de quem não pode fazer muitas escolhas. Mora sozinho com uma mãe esquizofrênica e é preciso administrar maturidade num corpinho de tão pouca idade. Fico a especular, cá com os meus pensamentos enxeridos...

Quem cuida de quem? O seu olhar sorrateiramente escondido, para não ser desvendado, deseja outra vida? A mesma mãe em outra mãe? Ou outra mãe em sua mãe?Sua mãe não está. Não é. E o menino por certo a quer. Há de querê-la, pois todo menino quer o colo da mãe.

E quando a porta da casa se fecha?Continuo esmiuçando, alimentando meu imaginário, tentando espiar pela fresta, pela fechadura... Mãe e filho. Os dois somente, ou quantos mais no desequilíbrio materno entram juntos porta adentro?O que ele enxerga? O que ela vê? O quê, naquele lar também esquizofrênico, ambos presenciam? Esta posição perturbadora de espectadora imóvel me constrange. Quero ir para casa, fechar a porta, mas minhas tantas vozes e barulhos também estão lá, estão cá e em meus devaneios também não sei quem sou.

Valéria Escobar