Pai

Pai

Estou lhe escrevendo para falar um pouco com o senhor e desabafar, pois estou para estourar por dentro.

Não sei se sabe, mas está fazendo exatamente sete meses que nos deixou.

Sei que sua nova morada é melhor que esta que deixou para traz, mas precisava te escrever algumas palavras que estão guardadas dentro de mim.

Quando partiu, eu fiquei meio anestesiada, correndo para todos os lados sabe, cuidando das suas coisas que deixou e o que iria doar e cuidando de seu lar e de seu filho. Foi tanta correria, indo a cemitério, cartórios, enfim os tramites que são necessários.

Comecei a ter que fazer tudo sozinha, o que o senhor fazia tive que fazer, faça sol ou chuva la estou as seis horas da manha já coando o café e cuidando de tudo. Saio sem café da manha porque não dá tempo, então como na rua mesmo. Almoço também, e quando é de noite já estou tão cansada que não tenho animo para ficar em pé no fogão e na pia, meu corpo já não agüenta de tanto cansaço físico e emocional. Estou com problemas de saúde, no joelho. Tudo o que o senhor não teve em vida até seus 91 anos, eu com esta idade tenho.

A saudade bate muito forte, e aos domingos que mesmo querendo acordar mais tarde, não consigo; e quando estou coando o café, escuto meu irmão assistindo o programa da Enesita Barroso que tanto o senhor gostava, e ai olho no relógio e penso: quem diria que dali a três horas há sete meses atrás, iria te ver partir feito passarinho, nos deixando sem chão, ai meu pai eu choro quietinha para meu irmão não ouvir.

Sabe, ele envelheceu nesses meses um ano de tanto sofrer a sua falta, as vezes entro quieta no quarto e pego ele chorando, e isso me corta o coração.

Procuro evitar pensar no senhor durante a semana, porque senão eu não trabalho, então deixo que tudo flua naturalmente, mas mesmo assim, minha saúde esta ficando fraca, estou mais magra, pois com toda a correria não fiz mais almoço em casa, faço as refeições fora e como dá, e quando minha Irmã manda comida, eu não como, deixo pro meu irmão, só as vezes que sei que vai sobrar, ai eu como.

Trago dentro de mim uma tristeza tão intensa, que não consigo ás vezes controlar. Muitas vezes procuro disfarçar para a família, mas estou igual alguém que caiu no poço profundo e jogaram uma escada e assim vou subindo os degraus devagar, pois só agora que o verdadeiro Luto está presente. Pois só agora que consegui refazer seu tumulo, e as coisas devagar vão se ajeitando e é onde bate a dor, o sofrimento, a saudade tanto sua como de minha mãe.

O que me conforta e acalenta meu espírito e coração é que eu vi você partir e vi que você não sofreu, que estava saudável, que não tinha doenças, isso deu na necropsia, portanto isso me acalma de certa forma, embora tenha ido embora em plena Páscoa no almoço. Mas a dor da perda é irreparável, e jamais passara por inteiro.

Quanto as nossas discussões, o senhor sempre soube que éramos inseparáveis, sempre estávamos juntos, se brigávamos cedo, no almoço já estávamos conversando.

Lembro quando andávamos de moto, quando saiamos para beber uma cerveja gelada. Lembro de quando eu chegava em casa do trabalho e ficávamos conversando sobre a bíblia, sobre assuntos diversos. Também me lembro muito bem de sua tristeza quando seu cachorro Reike desapareceu quando o senhor estava ali na calçada, ele nunca saiu de perto do senhor, talvez ele já ate esteja ai contigo, pois sei que ele te amava tanto, que saiu para morrer longe. Lembro-me que todas as noites o senhor sonhava com ele, e quando ia fazer sua cama para dormir, falava assim: meu menino ainda vai voltar. Eu via sua tristeza. Via a falta que sentia de seus filhos sempre ali, mas cada um tem sua vida. Engoli tantas coisas ruins que falava pra mim, os nomes que me chamava, quando me tocava de sua casa quando ia La para lhe ajudar em alguns afazeres, bem como sei que o senhor também engoliu tantas coisas minhas. Alias tantas discussões para que não alimentasse pombos no quintal e quando você se foi deixou uma herança pra mim que fui obrigada a matar com veneno (Rato).

O Cachorrinho que adotamos e estava para chegar depois do tratamento, lembra? O senhor me perguntou dele uma semana antes de falecer, querendo saber se ele era pequeno e velhinho mesmo, e ele chegou meu Pai, chegou uma semana após seu falecimento e depois que seu cachorro morreu um mês após seu falecimento adotei mais uma e com isso mais um casal abandonado.

Quantas vezes eu o vi sentado debruçado na mesa da cozinha triste, sentindo-se sozinho, bebendo seu vinho ou mesmo sua caipirinha, e nem comida havia feito. Lá ia eu fazer sua comida. Bem como me lembro das pescarias que ia junto. Tantas coisas passam pela minha cabeça. Mas uma coisa é certa eu tenho minha consciência tranqüila, pois estive do teu lado ate o fim de sua vida , sempre presente.

Lembra quando eu te falava que era para lavar a louça e cuidar dos cães e do quintal? Não era apenas para me ajudar, agora o senhor sabe, era também para que o senhor não ficasse sem fazer nada, para não cair em uma cama doente e para que pudesse chegar ate a idade que chegou e saudável. Nunca o vi internado, nunca soube que tivesse ido a medico. Muitas coisas ditas e não ditas, coisas que fiz e o senhor fez um ao outro, somente agora talvez, o senhor esteja sabendo o por quê. Mas o que minha boca falou, meu coração não sentiu, sempre te amei!

Finados esta chegando e irei ao seu Tumulo.

Como será meu Natal?

Pai, não consigo mais falar nada não porque sairia um jornal e não uma carta. Portanto quero só dizer, três palavras EU TE AMO!

E uma frase: Onde estiver, que Jesus esteja mandando luz e paz ao senhor, e que não se preocupe conosco, pois aqui nos arranjamos. Se cuida ai pensa em Jesus e receba toda a Paz, Amor e Felicidade em sua nova morada.

Sua filha.

Nel 31/10/2013 14:34

Nel
Enviado por Nel em 31/10/2013
Código do texto: T4550382
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