Filho Leonino

"E trancafiamos em algum porão tanto a nossa essência como as lentes de amor que nos fazem compreender o outro além do sorriso ensaiado". (Desconheço a autoria)

Querido leonino,

em resposta à sua última brincadeira de incompreensão, já lhe adianto, sem pestanejar, que nem devagarinho se esquece de um filho nascido no ventre de amor e fiquei divagando pelas antigas conversas na antiga casa com fogão à lenha e infância...

A prosa era o prato principal.Histórias contadas e recontadas por vidas sofridas mas felizes.Nossa conversa chegou pretensiosa, amigo.Falamos do cotidiano que pouca gente percebe.

Amigos são assim. Os verdadeiros. É preciso desconfiar das amizades que surgem fogosas, invasivas e dominadoras. É preciso desconfiar também das amizades interesseiras ou daquelas que visam apenas o prazer que podemos proporcionar. Elas nascem mortas e com o tempo agridem pelo odor desagradável que exalam.

Amigos são os que são pela leveza da desobrigação do encontro.Essa carta é natural e será lida sem obrigação, aliás nem sei se tu lerás.É apenas um enlace de pensamentos, porque acredito que não estamos aqui por acaso, e nosso amor não é liquido meu filho.As pessoas são descartáveis porque já foram seduzidas e o desafio já findou. O desejo morreu e com ele a conquista não é mais instigante. Apenas isso.O resto é desnecessário. O resto é cenário.

Na vida buscamos o aconchego das pessoas, todos nós. Não há felicidade sem o colo.Mesmo eu que não revelo meus sentimentos, quero colo.

Mas que desejo é esse, meu filho? Ser estrela?

Verifico a glória alheia e lamento o meu tosco fracasso. Mesmo sem entender o que é o fracasso, olho lacrimosa ou invejosa dos sem números de sorrisos na face da vitória que mora no outro quarteirão.Sei pouco dos dissabores porque essa sociedade me ensinou a esconder o que é denso.E a densidade está na dor, na dúvida, na recordação, na essência.

O sorriso treinado é falso.A vida não é uma pose de fotografia.A vida é uma viajem em que a bagagem deve ser proporcional e minha necessidade de esconder o essencial sempre enfeiou-me e minhas preocupações em ser responsável por tudo o que agora vi ruir e minhas verdades eram feitas de mentiras, eu não dei mais conta das angústias que frequentaram sempre meus medos.

O fato é que estou de partida, sem despedida.Estamos sós com nossos medos.Amparamos-nos vezes muitas eu em ti e tu em mim, tínhamos paciência e nos escondíamos de nós mesmos.

O medo do fracasso fez com que desfilássemos vitórias e que não assumíssemos nossas fraquezas e humanidades e sim, sou humana e frágil, como tu, meu leonino.

Por que então fingir que não preciso de ti?Do Canceriano? Do Taurino? Da Libriana?

Não me surpreenderam mais uma vez ao não me dizer o que eu deveria fazer? Apenas repreenderam e condenaram, atirando pedras na pecadora. Forte? Injusto?

A hipocrisia que habita a sociedade dos vitoriosos impediu o acolhimento de pessoas sem importância. É triste como percebi que a frivolidade tomou conta das relações, falam o que devem e não o que sentem.Mostram o que é mais útil e menos incômodo e não o que revela os esconderijos mais bonitos da alma.

Leonino, não há explicação, há apenas emoção.Leituras corretas ou erradas,mas leituras.E a dor se amplia e a razão se apequena.E meu coração se esvazia.

Vida, meu filho, é de vida que preciso.Que Deus te abençoe meu filho leonino.

Mamãe!

Eliane Beyer