NADA FIZ DE ERRADO (para um ex-amor imaginário)

Meu ex-amor,

Cruzaste tortuoso meu caminho

Te acolhi aberto e por inteiro

Abri com abundância todas as portas

Deixei meu coração te amar faceiro

Na ilusão de que tudo era verdade,

lembrei-me das pessoas que vêm do nada

e, mal conhecemos suas faces,

logo de pronto, tudo damos sem pudor

Acolhi o teu cansaço em meus braços

Escutei as repetidas amarguras

Pensei tuas feridas de outrora

Curei as assaduras com ungüento

Valeu a paciente e doce espera:

velaste assim meus sonos

enquanto esculpi teus sonhos

na busca desesperada de um amor sem fim

Lapidei espaços e outras horas

criando mitos, de mim parindo formas

Deixando que a luz arranhasse com força

as arestas que ainda restavam em mim

Um gosto eternamente de amor

a sangrar minha sedenta garganta,

de novo fez-me lembrar o ontem

e todos os sóis de outrora

Calores a arderem nossas tardes

Eu sobre ti, tu sobre mim a misturar suores,

a lamber momentos de chuvas mal molhadas,

a enfeitar luares com os nossos desenganos

Ah, o calor dos nossos corpos!

Ah, o calor da cama em noites mal dormidas!

Canetas, penas, papéis a destilar poemas,

versos sem rimas, estrofes de risadas

O poeta que fui — e ainda sou —;

a inspiração que foste — e já não és —

quando do banho me secavas

e tudo em derredor, tu me molhavas

Desde o leve bater na porta

ao teu sorriso vago e incerto

a esperar sedento o meu beijo certo

Do teu abraço cansado à tua mudez solene

Teu suspirar vazio sem nexo

Teu olhar de nada, distante e vão

O meu pensar inverso, sempre convexo,

Ou a incerteza de um dia ter o pão

A minha mente a caminhar aberta

Tua casa de mistério em torpe fecho

fez o meu riso roto, raso e rico

segredar rebelde sozinho qualquer passado

Depois a hora do adeus — a tempestade

— o silêncio das respostas sem chamadas

Definir, sem pensar, o que é felicidade

Recontar as semanas mal contadas

O que é meu, o que é teu tanto se misturaram

Sem sabermos o que fica ou o que vai

Fica o tempo, ficam os beijos que restaram

Fica o Amor que impregnou e de mim não sai

Só te peço não me roubes a lembrança

de tua imagem me sorrindo no arrebol

Não me negues o que fiz pela bonança

porque tu foste pra mim muitos raios de sol