rumo

“…Espalhou a alva espuma sobre a cara húmida… acariciou a face ao fazê-lo, num ritual que era obrigado a cumprir… Pegou na lâmina e começou, como de costume, a desfazer a barba a partir do canto inferior esquerdo do pescoço no sentido de baixo para cima… Era uma carícia azeda mas que sabia bem. No final, meteu outra vez a cabeça debaixo da água fria e sentiu o gelo refrescar-lhe a ardência facial… pegou no bálsamo e untou a cara e o pescoço… o cheiro não é activo e até é bastante agradável porque para além de refrescar torna a pele macia (naquele momento, claro)… Com uma toalha secou o cabelo esfregando-o fortemente e penteou-se de seguida num ritual também demasiadamente frustrante porque sempre igual… desejava ter outro tipo de penteado mas o raio do cabelo não lho permitia… Sorriu novamente e mais uma vez piscou um olho a ele mesmo… Seguiu para o quarto... Despiu as calças de pijama e vestiu-se a rigor para enfrentar o vento norte frio que soprava lá fora… Eram oito e meia e o sol tinha nascido havia ainda pouco tempo… Meteu o nariz de fora e aspirou a névoa matinal... Fresca, suave e pura…Tentou olhar o sol mas logo retirou o olhar… Meteu-se a caminho… Sentia uma paz estranha... Parecia a primeira vez que fazia aquilo... Ou seria mesmo a primeira vez?... Caminhou forte no sentido sul para norte, tal como daquela vez em que se meteu à chuva e a sentiu no corpo refrescando-lhe a alma… Desta vez não sentiu essa necessidade… desta vez a vontade era apenas a de usufruir de uma manhã fria de sol neste Inverno que findara e nesta primavera que acabara de começar… Caminhou apenas com largas e longas passadas até sentir o corpo aquecer e o ar frio começar a encher de calor os seus pulmões… Respirava fundo e compassadamente… Ao fim da longa rua a subir, parou… Encostou-se a um muro e descansou… Olhou para dentro da sua alma e declaradamente entendeu a mensagem: tinha mudado, pura e simplesmente estava mudado… Tivera de caminhar noutro sentido… Iniciara, pois, o novo percurso… Sentiu-se bem… Sorriu… Sentia-se feliz…”

Joaquim Nogueira