Carta 2 - Guilherme (01.06.2014)

Querido Guilherme,

Senti vontade de te escrever apenas hoje, e peço desculpas por não responder tuas cartas.

Está chovendo... Aquela chuva fina, que não para nunca. Me entristeci e chorei um pouco antes de sentar aqui para te escrever. Tanto a chuva quanto Erik Satie me lembram de ti, e agora estou com os dois em meus ouvidos, Guilherme. Ou talvez devesse dizer Guilhermes? Sei que falo contigo agora, mas sempre quero me dirigir ao Guilherme que foste...

Como sinto tua falta, mesmo que mudado, e dessa meia pessoa que fomos antes de nos encontrarmos na vida. Sinto falta das noites em que bebíamos café e assistíamos qualquer filme na TV aberta porque não tínhamos um tostão para a bebida ou para ir no cinema assistir àquela retrospectiva do Kurosawa. Eu era mais feliz, e tu também, mesmo que tu discordes.

Se lembra daquela noite em que deitamos na tua cama suja de café – porque eu sempre fui estabanado , mesmo você ficando calmo demais para fazer eu me importar – e conversamos até o Sol nascer? Eu lembro do cheio de cigarro e da poluição da cidade, lembro da disposição de cada prédio na tua janela, da cor do lençol... mas não consigo me lembrar nunca do que falamos... Por quê? Sabes, isso ainda me tira o sono algumas noites...

Naquela manhã chovia como hoje. E eu fui embora pisando nas poças d’água e disse ‘boa noite’ em vez de ‘bom dia’ para o cobrador do ônibus. Por quê?

Por que, para o Guilherme que foste, tu resolveu ir pra Ohio sem me contar nada? E, para o Guilherme que és hoje, valeu a pena?

Sabes, Guilherme, outro dia vi uma foto tua no meu XP antigo, tu estavas almoçando com o Yoann Lemoine – aliás, tenho que agradecer o CD e o ingresso para o show de março, obrigado por não esquecer que sou fã dele. Vi também a foto do teu novo apartamento em New York, tenho que dizer, é bem maior do que aquele que tu alugava aqui com as gurias.

Olha, Guilherme, é difícil te dizer isso, mas eu me desfiz das passagens que tu me mandou em novembro, e sinceramente minha resposta é não, não posso ir morar contigo.

Mas, do fundo do meu coração, sinto tua falta. Ou, talvez, sinta falta da lembrança de ti. Sabes, naquele dia eu cheguei em casa e dormi quase que instantaneamente.

Depois daquele dia, nunca mais te vi.

Entenda que não te respondi nesses três anos não porque eu não te queria, mas simplesmente porque não consegui. Voltei a beber, ainda que seja o uísque mais barato do supermercado. Eu preferia quando tu era pobre, Guilherme.

Sempre teu,

D.C.