Preguiça e ociosidade - Carta 107

PREGUIÇA E OCIOSIDADE

Um irmão da região sul do Rio Grande pede subsídios para um

trabalho que pretende realizar sobre os aspectos bíblico-

filosóficos da ociosidade.

Prezado amigo,

O verbete ociosidade é derivado de ócio – o dolce far niente dos italianos (o doce prazer da preguiça), como um ato de não fazer nada. Ociosidade é o estado dos que não fazem nada. Por esta razão, a ociosidade, segundo os filósofos é a raiz de todos os vícios. Como característica, ela aponta para a condição ou particularidade do ocioso, do desocupado, indivíduo inativo. Eu ousaria dizer, do vagabundo... Ociosidade é a ausência de disposição; falta de empenho; preguiça. Sobre esse tema lemos que “A pureza de espírito e a ociosidade são incompatíveis” (Gandhi). “A felicidade e a saúde são incompatíveis com a ociosidade” (Aristóteles).

Ociosidade significa um estado patológico de ócio, aquele que não tem nenhuma ocupação, que não faz nada da vida. O ocioso é o indivíduo que não está fazendo nada no momento, que não está trabalhando e não pratica nenhuma atividade, mesmo podendo fazê-lo. Ocioso é um adjetivo que qualifica o indivíduo preguiçoso, indolente, que não procura trabalho. Na Torre de Babel encontramos o ponto inicial da ociosidade,

O adjetivo ocioso também é empregado como termo pejorativo, para designar alguém inútil, que não serve para nada, que é incompetente, desnecessário e supérfluo, o qual ninguém sente falta. Ocioso é também aquele sujeito vadio, preguiçoso, que não tem vontade de fazer coisa alguma, em benefício de alguém ou de si próprio. Ocioso é aquela pessoa improdutiva, que não tem nada para fazer, e isso é bastante comum no ambiente de trabalho ou familiar. Em algumas oportunidades, a pessoa não tem nenhuma atividade, e acaba ficando ociosa. Em são Paulo encontramos um texto interessante sobre esse assunto:

Irmãos, em nome do nosso Senhor Jesus Cristo nós ordenamos que se afastem de todo irmão que vive ociosamente e não conforme a tradição que vocês receberam de nós. Pois vocês mesmos sabem como devem seguir o nosso exemplo, porque não vivemos ociosamente quando estivemos entre vocês, nem comemos coisa alguma à custa de ninguém. Ao contrário, trabalhamos arduamente e com fadiga, dia e noite, para não sermos pesados a nenhum de vocês, não porque não tivéssemos tal direito, mas para que nos tornássemos um modelo para ser imitado por vocês. Quando ainda estávamos com vocês, nós ordenamos isto: Se alguém não quiser trabalhar, também não coma. Pois ouvimos que alguns de vocês estão ociosos; não trabalham, mas andam se intrometendo na vida alheia. A tais pessoas ordenamos e exortamos no Senhor Jesus Cristo que trabalhem tranquilamente e comam o seu próprio pão. Quanto a vocês, irmãos, nunca se cansem de fazer o bem. Se alguém desobedecer ao que dizemos nesta carta, marquem-no e não se associem com ele, para que se sinta envergonhado; contudo, não o considerem como inimigo, mas chamem a atenção dele como irmão (2Ts 3, 6-15).

No dia 11 de julho, a Igreja Católica celebra a festa litúrgica de São Bento de Núrsia († 547), um dos pais do sistema monástico ocidental. A mais famosa dentre todas as suas máximas é o lema da Ordem Beneditina: Ora et Labora, ou seja, “Reza e Trabalha”. A Regra de São Bento serviu como o padrão de norma para a vida religiosa comunitária nos monastérios do Ocidente por centenas de anos.

Coerente com o lema da beneditino, a Regra de São Bento possui algumas passagens maravilhosas sobre o valor do trabalho, além de outras práticas piedosas. Por exemplo, ao tratar "Do trabalho manual cotidiano" no capítulo XLVIII, São Bento afirma que “A ociosidade é inimiga da alma; por isso, em certas horas devem ocupar-se os irmãos com o trabalho manual, e outras com a 'lectio divina'". Conhecendo os perigos espirituais da ociosidade – assim como os do tédio, do desânimo e da fofoca – São Bento prescreveu o trabalho diário regular para todos os monges de qualquer monastério que seguisse a sua regra. Todavia, ele não absolutizou o valor do trabalho, recomendando que houvesse, também, tempo para o descanso e para a prática e o método da "Leitura Orante", que combina o estudo, a oração, a reflexão e a contemplação.

Além disto, São Bento ofereceu consolação para aquele que trabalha na indigência: “Se, porém, a necessidade do lugar ou a pobreza exigirem que se ocupem, pessoalmente, em colher os produtos da terra, não se entristeçam por isso, porque então são verdadeiros monges se vivem do trabalho de suas mãos, como também os nossos Pais e Apóstolos” (XLVIII, 7-8). Temperando tal conselho com a adição da seguinte sentença: “Tudo, porém, se faça comedidamente por causa dos fracos” (XLVIII, 9).

Entretanto, podemos ver na "Regra de São Bento" uma expressão exemplar da visão cristã básica sobre os méritos do trabalho, bem como suas limitações para o bem dos trabalhadores: “Aos irmãos enfermos ou delicados designe-se um trabalho ou ofício adequado, de tal sorte que não fiquem ociosos nem sejam oprimidos ou afugentados pela violência do trabalho” (XLVIII, 24). São Bento oferece para todas as pessoas uma maravilhosa lembrança sobre a honra inerente a todo e qualquer trabalho honesto, principalmente quando animado pela oração.

Quando celebramos a memória litúrgica de São Bento, espera-se que todas as pessoas, possam encontrar a satisfação do trabalho, mesmo abaixo das expectativas ideais, abraçando a vocação da oração, mesmo que a busca pelo emprego ideal desejado permaneça provisoriamente fora do alcance. A preguiça, que é mãe da ociosidade, faz crescer todos os vícios e afasta a pessoa do caminho da virtude.

A preguiça pode ser interpretada como aversão ao trabalho, bem como negligência, morosidade e lentidão O preguiçoso, conforme o senso comum, é aquele indivíduo avesso a atividades que mobilizem esforço físico ou mental. De modo que lhe é conveniente direcionar a sua vida a fins que não envolvam maiores esforços. A preguiça é algo que pode ser combatido e pode ter motivações psicológicas e fisiológicas. Nesse contexto mais amplo, ociosidade é gastar o tempo em coisas inúteis, um esperdício das horas.

Falando sobre a ociosidade, o místico Jonas Abib, na Canção Nova se refere ao exemplo do rei Davi, que ao invés de ir para o combate, deixou-se ficar no palácio. Foi nessa ocasião que ele se encantou com a esposa de Urias. Seus soldados foram, mas ele preferiu ficar ocioso em seu palácio. Justamente por isso, caiu vergonhosamente em tentação. Graças a Deus, ele ainda tinha dentro de si a têmpera de guerreiro – que foi despertada pela admoestação do profeta Natan. Também nós cometemos mais erros quando amolecemos e ficamos ociosos.

Teologicamente, notamos que um dos “Pecados Capitais” mais graves é a preguiça, pois retira da pessoa a capacidada de resistir à mediocridade e à apatia. No livro dos Provérbios (19,15), lemos: ”A preguiça faz cair em profundo sono, e o ocioso vem a padecer fome.” Ainda no mesmo livro, no cap. 21, verso 25, diz que “O preguiçoso morre desejando, porque as suas mãos recusam trabalhar.“

A Bíblia afirma que o pecado da preguiça se relaciona com uma qualidade negativa de vida que se revela pela estagnação e ineficiência, e impede a pessoa de ser uma seguidora de Jesus Cristo. A ociosidade espiritual não é pecado somente contra Deus: é também contra nós mesmos. Ela mede a distância entre aquilo que você deve ser e aquilo que você hoje realmente é.

Mas também, além da patologia, esse desvio pode possuir um agregado de carência moral, debilidade ética ou até mesmo de desajuste (pecado) A ociosidade sempre leva ao pecado. É por esta razão que os místicos medievais não cansavam de afirmar que “a mente ociosa pode se tornar a oficina do diabo”.

Deus nos levantou para fazer a sua obra. Não podemos recuar, mas tendo a alegria para realizar o que Deus nos pede. Muitas vezes o inimigo coloca uma falta de ânimo na vida do cristão para começar uma armadilha. Se não nos voltamos para Deus é queda certa.

Vale o exemplo do rei Davi, que na época em que os reis iam à guerra ele resolveu ficar em casa, e caiu na armadilha do inimigo, Justamente neste momento que o maligno agiu e colocou uma mulher linda nua se banhando, e do terraço o rei Davi a viu, desejou e a possuiu. Este homem era segundo o coração de Deus, portanto, conhecedor das leis tanto as divinas quanto as humanas e não resistiu à provação colocada pelo adversário infernal, mais tudo isso porque deixou de cumprir com sua obrigação de vigilância.

Um pecado puxa outro pecado e se continuar no pecado o fim é a morte eterna, Davi pensou que ninguém tinha visto e iria ficar por ali mesmo, mais o pecado não para, quanto mais a pessoa peca, cai se aprofundando cada vez mais porque o plano do diabo é matar, roubar e destruir. E Davi não se arrependeu. Ele continuou na sua cegueira espiritual, e mandou matar o marido da mulher para encobrir seu pecado, que teve origem a partir da ociosidade do rei.

Pois a ociosidade ensina muita malícia... (Eclo 33,29).

Encerro esta reflexão com uma frase de Leonardo da Vinci: “Do mesmo modo que o metal enferruja com a ociosidade e a água parada perde sua pureza, assim a inércia esgota a energia da mente”.

Um abraço

Disponha sempre.