Carta à geração AMOR

Você evita olhar nos meus olhos, mas nosso abraço nos funde em uma única entrega. Você não me convida, mas nossos passos, embora caminhem em trilhas bifurcadas, colidem no mesmo rio, e ali, a fluidez e força da passagem se enchem de alegria e vigor. Logo depois tu foges; me evita. Algo salta de ti meio desconcertado e indefinido; eu apenas recuo, às vezes insisto.

Agora me recordo, foi assim desde o princípio: enquanto a vontade de ti focava neutralizar qualquer obstáculo entre nós, você não desviava sua rota mesquinha, e só nos víamos se não te houvesse, absolutamente, nada mais a fazer.

Vês? Tempo é o que se escolhe fazer dele. E toda a vida está pautada no instante. O que se faz, o que se é. O beija-flor não precisa fingir delicadeza, porque é delicadeza. Não há disfarces para a alma. A natureza inteira se completa: o mar, o sol, as montanhas; deuses absolutos. A chuva, as plantas, a lua em eterno deleite... todas as flores são felizes! Tudo é amor!!!

Não importa o tempo, livre é o espaço para viver. Felicidade é branda. A verdade é sereníssima. O amor também. A vida deixa de ser insistente e passa a ser um presente! Compartilhar, doar, construir bem os relacionamentos, faz parte do aprendizado e é o dom de viver o Amor. Mas tu escorres languidamente para onde as cores não constituem um só prisma. O arco- Iris é vibrante, não opaco. Expande, não recua.

Voa, passarinho, sobrevoa teus caminhos do alto, para não haver tropeços. Aonde tu vais, te vejo. Duma província distante e insignificante, em pensamento, te analiso, te conheço. E ainda assim nos encontraremos. O pensamento guarda nossa ilha e, em todo o silencio que houver ali, nos tornaremos ainda mais unidos, indissociáveis. Porque a fala recorta, restringe. Mas a harmonia natural da contemplação nos permite à consciência Uno: um só coração.

Novas vidas repetem as velhas histórias! Amadurecer é romper o que havia, depois de toda a euforia, permanecer sereno. Porque há tanta glória no desapego? É preciso estar leve para saltar, mas como tua ausência é inteiramente presente, no alvorecer já nem existes, e somente na solitude, posso me acompanhar.

Coleciono ausências, por amor às flores. Mas tu te apresentas morno, apático, escorregadio. O que nos move nessa desventura? Uma chama magra, uma chuva rala, o desalento ou uma breve loucura? Sugiro que criamos remédios distintos para encontrar a mesma cura. Um dia, nos reconheceremos, ou quem sabe ainda, nossas falhas se igualam, e nos encontramos sempre em despedida...

Nosso filho nos manterá vivos, para todo o sempre. Mas não te acostumes! Como pode um ciclo se concluir? O vento arrasta a areia e o castelo vai, constantemente, sendo transformado. E mesmo as ruínas não se concluem; mas quando eu deixar de manter teu ego, deixarás de manter minha poesia.

Não preciso das tuas desculpas, nem dos teus motivos. Guarda-os para ti, sem algemas, sem controle, sem perigo. Se eu derreto, tu hesitas. Se me aproximo, te distancias. Se te acompanho, me ignoras. Não te preocupes, meu bem, não haverá insistência. O silencio protege nossa força e beleza. Que sorte! A vida é a medida de quem vai caminhando, a mente lembra, mesmo quando esquece, pois na bagunça da consciência, nada se perde.

Tudo encaixado, tão belo e perfeito que quase não suportamos: Como são impressionantes os detalhes! O orvalho acalenta a folha, ou é ela quem abriga a gota? Ignorar uma rosa é deteriorar uma geração. Agora me dei conta que a morte não mata. É uma etapa de transformação, aliás, constante. E aquilo que não gostamos é uma perspectiva a conhecer.

Quase te soprava um mantra; tenho aprendido, tanto mais entendimento, tanto menos necessário falar. Não te prendas a interpretações egoístas, não te restrinjas a inflar vaidades, não rotule palavras, se detenha apenas à poesia nossa de cada dia. Tudo inspira: Luz e alegria!

Shauara David
Enviado por Shauara David em 24/08/2014
Reeditado em 24/08/2014
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