Carta a Terceira e melhor idade

Carta a Terceira e melhor idade: reflexões e constatações subjetivas sobre a chegada à idade pós-sexagenária.

Prezados/as felizardos/as avós (a voz) do tempo.

Depois de uma vida longa, de intensa produtividade, sendo útil aos que nos cercam e muitas vezes a tantos que nunca conheceremos, o ocaso do vigor físico se apresenta, irremediavelmente, a passos largos, como um algoz renitente e impiedoso. Porem, dando espaço, dando voz às nossas capacidades intelectuais e espirituais, que ao invés do entardecer, com o avançar de tempo tornam-se, geralmente, mais luminosas e produtivas, encontraremos nelas julgo benevolente, proteção pra lá de maternal e, conforme nossa fé, um poço inesgotável de esperança. Mesmo quando olhamos para o céu e só vemos nuvens negras, a experiência nos dá a certeza de que por trás está o sol. Assim, além dos incômodos físicos do avançar do tempo, está um inestimável tesouro de conhecimentos, de experiências acumuladas. Podemos estar convencidos de que a sabedoria da criação não deixaria ao desperdício tão grande acumulo de valores daqueles que superaram todas as metas. Soterrado pela natural debilidade motora, muscular, está todo um cabedal de inteligente experiência para ser lapidado e seu brilho redescoberto pelos circundantes com vivo interesse e prazer. Cabe-nos desenterrá-lo. Assim também, sustentados pela fé, entenderemos que a resistência em nos curvar ao tempo conhecido não é mais que a natural reação de nosso ser mais verdadeiro, de nossa alma mais que criança, diante da perspectiva da eternidade, infundida nela (em nós) pelo criador - há tão pouco tempo - no dia em que nascemos! Essa sensação de perene juventude que sentimos, a despeito da precariedade física, esse desejo inato de perpetuação, de eternidade, pode ser o combustível para mobilizar nossas imensas reservas. As ferramentas ideais para dar formato a elas na produção intelectual e/ou espiritual, cada um de nós encontrará as suas, de acordo com os próprios dons e a própria experiência. O fato é que o mundo está ávido por elas.

E ainda, não pode existir ao diamante maior ventura que ver seu brilho aperfeiçoado até o ultimo retoque pelas mãos do lapidário. Assim é a sorte daqueles que ascendem à “Melhor Idade!”

“Ocaso sereno de plácidas ramagens, logrei conhecer-te em tempos de dor, de escolhas imberbes e loucas viagens, na cata de cada ramalhete de amor.

A distancia fitava teu vulto embaçado, em noites e mais noites de sonhos febris, contando apostas desse aio enganado, devias apiedar-te de tão tolo aprendiz.

De perto tua face me torna tranquilo; o saber da existência tuas rugas resume. Garantes-me liberto e não meu exílio, teu olhar silencioso é da paz o perfume.

Acolhes-me agora em abraço amigo, parceiros que fomos ao longo da vida, guardião inconteste e andante comigo, na trilha ascendente e depois na descida.

Entregue à sorte em conhecer-te abrigo, repasso em reprise a vivenda jornada e de lá ouço acordes que solfejo contigo, na mais bela sonata pra mulher amada.

Nem uma lágrima pro que fiz ou não fiz; nem mais dirá, meus lamentos, saudade. Migrante de sonhos em despertar feliz, reencontro-me em dias da melhor idade.”