Carta para meu herói

Oi, vô.

É difícil começar uma carta assim. Porque eu não compartilho meus sentimentos ruins. Com ninguém. Eu não consigo. Apenas quero te falar algumas coisas.

Continuo tomando chimarrão adoidada, mas sinto um vazio quando ninguém mais me chama de "guria mateadeira". Não leio mais jornal, porque ninguém me lembra mais. Continuo detestando Datena e semelhantes, mas de vez em quando eu vejo só pra fingir que tô discutindo contigo sobre televisão. Não vejo mais "Todo Mundo Odeia o Chris", porque não tem ninguém mais para confundir o ator com o Arnold. Aliás, nem vejo mais muita televisão, porque ninguém interrompe a programação para perguntar sobre meu "namorado" (que, aliás, sempre tinha um nome diferente), sobre meu "colégio", pra falar que tá ficando escuro (às 16h) ou que vai chover e eu tenho que ir pra casa. Não tomo mais café, porque ninguém mais faz misturas estranhas só "porque fica crocante". Não como mais rapadurinha e nem mariola, porque não posso roubar de ninguém mais. Eu continuo atenta pra ver se alguém vai roubar minha comida (algumas coisas nunca mudam).

Enfim. Na última conversa que nós tivemos, enquanto dividíamos um pacote de pipoca, tu repetiu uma coisa que tinhas falado há muito tempo atrás: "Se tu for bem sucedida, te chamarão de Isadora Mallmann, porque Garcia é assim, sobrenome de gente comum". Não, vô, me chamarão de Garcia de um jeito ou de outro, porque gente comum será sempre bem sucedida, exatamente como tu.

Saudades eternas, meu herói (porque foi tu que me tirou daquela matilha quando eu era pequena), meu exemplo de vida (porque tu foste sempre um bom vivant e sempre deu conselhos sábios). Manda um beijo para quem já está deste teu lado, enquanto ouve tango, bebe cerveja e pensa em grandes invenções. E venha me visitar nos meus sonhos!

PS: Não, vô, a tatuagem não sai com água.