Cárcere passivamente privado

Final de novembro, primavera, clima natalino, amores imperfeitos exalando pelos poros alheios, amizades de infância surgindo num instante de segundo como solução de todos os problemas cada vez mais recorrentes. Grupos aos montes no Whattsapp, apresentações com foto – são importantes, pois a sua foto diz muito sobre o seu caráter, afinal, as aparências são importantes; em todos os sentidos - conversas explicavelmentes indecentes, coragens súbitas, pessoas gritando que são interessantes por ouvirem Chico Buarque, Caetano Veloso, The Beatles. Pessoas gritando que são interessantes porque leem. Pessoas gritando que são interessantes porque estudam engenharia. Pessoas interessantes por interesse. Aonde foi parar a fonte daquela frase? Ou menos a aspas para mostrar que é uma citação? Alguém viu aí? Vivas aos sites de busca. Em que é que nós, realmente, acreditamos? Qual é a opinião que nós formamos a partir de nossa própria percepção das coisas e qual o fundamento que utilizamos para que isso seja uma coisa singular?

Ahhhhhh! amor, você se foi e não voltou. Mas não ligo, sem pudor, confesso: eu também não voltei.

Ainda estou naquelas conversas que tínhamos sentados no banco da varanda da sua casa sobre como ficaria o seu nome de casada. Sobre a casa. Sobre o trabalho. Sobre os filhos. Sobre o quanto ganharíamos juntos de dinheiro por mês. Ainda estou naqueles passeios curtos pela rua. Naquela sorveteria que tinha o açaí que você gostava. Ainda estou na mordida que o seu cachorro me deu perto da bunda que doeu pra caraca e você caiu na gargalhada, mas depois olhava pra mim e pra ele com pena de brigar com ele e com dó do machucado que ganhei. Ainda estou nas corridas em volta da casas que a gente fazia atrás do seu cachorro. Ainda estou no seu sorriso. Ainda estou no seu rostinho assustado com esses dois olhos lindos arregalados. Ainda estou nas suas pernas cruzadas de índio. Ainda estou no seu quarto te vendo dormir de bruços. Ainda estou no seu semblante com as duas mãos no rosto quando seu pai pintou uma parede do seu quarto de rosa dizendo: “que lindo! Obrigada, pai.” Na risada que você dava ao mastigar a jujuba que o gelo do açaí havia endurecido. Na careta que você fazia ao mordê-la. Na ida pra igreja domingo de manhã pra missa. No seu rostinho envergonhado quando ia cantar lá na frente. Ainda estou nas suas letrinhas de mãozinha dada. Ainda estou no pôster do seu quarto com a sua foto. Ainda estou na massa de pizza que eu tinha que fazer força para abrir para você colocar o recheio e receber elogios, justos. Ainda estou no seu macarrão ao molho branco com noz moscada. Ainda estou no louro que você colocava no feijão cheio de alho. Ainda estou na festinha do Ben 10 que você me fez quando completei 25 anos. Ainda estou no banheiro da sua casa quando você estava arrumando o cabelo e a gente ficava conversando pelo espelho. Ainda estou na semana que você colocou o aparelho nos dentes. Ainda estou na sua primeira nota baixa na faculdade. Ainda estou nos tantos eu te amo’s. Ainda estou no carro indo te ver pela primeira vez escondido da minha mãe no dia do seu aniversário. Ainda estou na semana que você ganhou 5 buquês de rosas, um em cada dia, de um admirador secreto que tinha a minha letra. Ainda estou naquela camisa colorida que você me deu e eu achava horrível, mas usava porque tinha sido você que escolheu. Ainda estou nos nossos beijos. Ainda estou no nosso amor. Ainda estou em nossas mãos dadas. Ainda estou na gaveta que você gostava de arrumar com as minhas blusas e nos bilhetinhos lindos que você deixava.

Ainda estou no que você não sabe. Ainda estou nos seus olhos cheios de lágrimas.

Ainda estou em tantos aindas...

Tiago Romaneli
Enviado por Tiago Romaneli em 27/11/2014
Reeditado em 27/11/2014
Código do texto: T5050654
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