Um dia da semana passada

Hoje faz 758 dias que sua lágrima rolou pelo rosto me dizendo que não dava mais. Não sei se é dor o que sinto quando me lembro daquela última noite, acho que dói tanto que eu não sinto mais doer. Mas sei que dói pela amargura: a minha garganta fecha, meus olhos são tomados de lágrimas, sinto na mesma hora o meu coração batendo mais lentamente, independente de onde eu esteja parece que não estou ali, meu redor perde o barulho e as luzes, e só o que me vem à cabeça são as suas lágrimas caindo e sua voz, faltando, me perguntando o porquê. Eu fiquei quieto. Apenas te olhava com as lágrimas também rolando pelos meus olhos. Eu queria tanto que você soubesse o que aquelas lágrimas queriam dizer, mas não consegui. Não consegui. E então me virei e fui embora, ainda ouvindo sua voz me chamar pela última vez, mas não tive coragem de olhar pra trás. Ali, naquele momento, eu perdi meu coração. Eu não sei o que mantém bombeando meu sangue em meu corpo, mas tenho certeza desde aquela última noite que não é meu coração.

Na última semana eu te vi na rua. Eu estava passeando por uma praça e você estava ali parada. Havia tempo que eu não te via. Você estava em frente uma vitrine olhando alguma coisa. Não consegui ver o que era, pois como das vezes que me lembro de você, o meu mundo parou. Não senti o chão sob meus pés, percebi que ainda tenho coração, pois o senti batendo novamente muito rápido, acelerado, minhas mãos ficaram geladas. Era noite e as luzes se apagaram. De repente o barulho parou. Ficou tudo calmo. Não existia mais o barulho dos ônibus. Raios de luz saiam de seu corpo e acho que descobri o seu segredo: você é um anjo. Então você mexeu na bolsa pegou o telefone, levou ao ouvido, se virou e foi embora. Foi caminhando para longe de mim. E acho que fiquei ali parado te olhando até você sumir do alcance da minha visão. Então tudo voltou ao normal e voltei a ouvi todos aqueles barulhos que a vida faz. Antes de eu me mover, ainda olhei para o lado e um senhor estava me olhando sorrindo, um sorriso acolhedor e singelo e então supus que aquele senhor havia presenciado e entendido tudo que se passara bem ali no meio da praça. No outro dia passei em frente a mesma loja que você estava parada e não consegui ver o que você observava, só vi aquela cena novamente. Já passei 3 vezes em frente a mesma loja e só o que consigo ver é você parada ali com toda aquela luz. É tudo meio fantasioso, mas isso aconteceu num dia da semana passada. Depois daqueles minutos, 1, 2, talvez, não sinto mais meu coração bater.

Fico pensando qual deve ser a história de amor daquele senhor. Aquele sorriso que ele me ofereceu foi um tanto quanto cúmplice. Há 6 dias estou tentando adivinhar qual deve ser o nome da mulher da vida dele. E com quem você saiu falando ao telefone.

Suas dúvidas devem ser outras. Seus sorrisos têm outros motivos. O tempero do seu feijão deve ser o mesmo, pois nem o da minha mãe é tão gostoso e você disse que iria temperar o feijão daquela forma para sempre por causa disso. A sua letra ainda deve ser igual a daquele monte de cartas que tenho em minha casa. Seus planos, com certeza, são outros. Será que você ainda escova primeiro a língua do que os dentes? E será que ainda corre atrás do seu cachorro pelo quintal? Será que ainda dorme balançando os pés? Será que ainda cai na gargalhada porque o seu cachorro chupa manga literalmente? Será que ainda enche o açaí de jujuba, leite em pó e cobertura de tutti frutti?

À medida que vou conhecendo pessoas, por mais injusto que isto seja, não consigo deixar de pensar em como você é diferente. Tão diferente de tudo isso que está acontecendo. É estranho. São 2880 dias que me mostram que existem anjos na terra.

Eu te amo.

Tiago Romaneli
Enviado por Tiago Romaneli em 22/12/2014
Reeditado em 22/12/2014
Código do texto: T5077628
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