AS CARTAS DO Dr. GOLDEN (1)

  
  “Não sei por que razão você passou assinar ‘Dr. Golden’. O remetente no correio eletrônico é minha única pista para a sua identificação. Tudo bem, você deve ter suas razões, mas não escrevo por isto.
    Escrevo para pedir uma palavra amiga. Como sabe, completei 50 anos semana passada. Ando meio triste. Deve ser o peso da idade. Vejo que estou emagrecendo a cada dia, e o rosa que tingia a minha vida está ficando cada vez mais cinza; os meus vestidos novos, as minhas bolsas, as blusas e as sandálias que trouxe da Europa não saem mais do closet; ando com a impressão de que os homens já não olham mais pra mim; as rugas que vieram morar no canto dos meus olhos me fizeram parar de sorrir para o mundo e até mesmo para o espelho, e nem mesmo o rio de minhas lágrimas consegue afogá-las. Será que isso vai passar? Espero voltar a ser feliz. Aguardo uma palavra sua.
Beijo,
Lucrécia.”



    Minha cara Lucrécia, as rugas são rusgas que negociamos por contingência da vida. Agora, com elas não há como barganhar. Sugiro que deixe de olhar-se nos espelhos, ou então que não sorria diante deles.
O peso da idade nada tem a ver com obesidade. Não é bom seguir a vida assim... magrinha?
    O velocímetro de nossa autolocomoção desacelera e descansa apenas no ponto morto. O que você esperava das rosas que tingiam a sua vida? Esquece que elas também trazem espinhos? Quando os caminhos se tornam cinza, é recomendável alojá-los em uma caixinha, ou então espargi-los ao sabor do vento.
Você diz “os homens já não olham mais pra mim”, mas isto me lembra uma canção de Herbert Viana, com a diferença de que são garotas e moram no Leblon.
    Abra o seu armário, retire de lá os seus pertences - que nesta vida nada lhe pertence - e distribua tudo aos pobres durante o inverno. E não se esqueça de doar as suas bolsas importadas, já que à hora da última viagem você não precisará delas.
    Quanto ao rio vertente de suas lágrimas, procure sempre o lado positivo das coisas. Aconselho a que atravesse para a outra margem e vislumbre, com uma visão privilegiada, a cascata cristalina e retumbante a precipitar-se sobre o rio; assim você não dará margem a tão desencontrados desperdícios e verá que somente à distância é que se enxerga melhor quando tudo vai por água abaixo...

Abraço,
Dr. Golden.