8ª CARTA

“Querido tio.

Tá fazendo um ano que moramos aqui em Salvador. Agora arrumei o meu primeiro namorado. Papai fica vigiando e não larga o pé da gente. Mamãe não liga muito. Ela gosta do Quinzinho e diz que ele tem futuro. Já entrou pra Faculdade. Quer ser médico. Estou terminando o terceiro ano e vou fazer Psicologia.
De vez em quando eu vou até a Faculdade dele, que fica perto do meu colégio, e a gente se encontra no pátio. Eu gosto de fazer surpresa, mas sempre que chego ele está junto da Glorinha, uma garota da sala dele. No primeiro encontro ele me apresentou a garota, ela é morena, tem olhos claros e usa umas roupinhas muito sensuais. Quinzinho me falou que ela é filha de um casal de médicos muito conhecido na cidade, mas eu ainda não conheço.
Uma vez eu segui o Quinzinho na saída da aula e ele se encontrou com Glorinha na esquina. Os dois foram a pé até a casa dela e ele entrou. Isso foi numa sexta feira. No sábado, quando ele esteve aqui em casa, eu falei que sem querer tinha visto os dois e ele me disse que de vez em quando vai estudar na casa da Glorinha por causa dos livros que os pais dela têm na biblioteca e coisa e tal. Ele sempre diz que me ama, mas eu não estou gostando dessa história com a Glorinha. De uns tempos pra cá, Quinzinho anda meio esquisito comigo e vem pouco aqui em casa. E quando vem fica meio caladão e até minha mãe já reparou. É claro que eu converso com ele sobre isso, mas ele sempre diz que são os estudos, que a profissão é muito séria e blá-blá-blá. Mas eu não sei. Tô muito preocupada. Você acha que isso é assim mesmo? Vou ter que esperar a formatura dele pra me livrar da Glorinha?
Beijo.
Anna”.


Querida sobrinha.

Fico feliz por um lado e triste por outro. Feliz por vê-la bem nos estudos e com um coraçãozinho apaixonado. Triste, porque esse mesmo coraçãozinho já se depara com as incertezas da vida.
Não, Anninha, você não precisa esperar 10 períodos de uma faculdade para livrar-se da Glorinha. Mas não se esqueça de que há dois tipos de ciúmes: o fundado e o infundado. E somente depois de um imparcial critério é que você poderá classificar o seu. Vá treinando a Psicologia que escolheu para o seu futuro e tente descobrir, sem a interferência do ego, os fatos reais. Caso o seu ciúme esteja enquadrado na classe dos “infundados”, então faça, primeiro, o "Exame de Consciência"   e somente depois o vestibular.
O seu pai “não larga o pé do casalzinho” porque nós, os homens, somos assim mesmo. Com a minha filha, a sua prima, eu fiz a mesma coisa. Acho até que pior. Toda mãe já é igual, vai ver porque o gênero, de um modo geral, já teve o “pé seguro” pelo pai.
Voltando ao assunto dos tipos de ciúmes, ainda nos resta tratar da classe dos ciúmes com algum fundamento. Depois de uma acurada inspeção e, conscientemente, descartada qualquer hipótese de dúvida e, ainda, comprovado um caso real de interesse por parte de Quinzinho por Glorinha, resta a você optar por um ou outro caminho, quais sejam:
a) desmanchar o namoro apresentando as suas provas;
b) fale ao Quinzinho que você tornou-se muito amiga de um colega do colégio, chamado Ricardo, um rapaz muito requisitado pelas meninas e que, dado o seu porte físico, apelidado de "Ricardão". Diga ainda que, por uma grande coincidência, ele pensa também em estudar Psicologia. Que você está frequentando a casa dele para estudarem juntos, em horários combinados, e peça desculpas antecipadas ao seu namorado caso você falte a alguns compromissos com ele. Diga que o Ricardo é rico, filho de um Psicanalista com PhD na Universidade de Sorbonne, e que surgiu uma oportunidade de você viajar para Paris com a família dele e, logicamente, junto com o Ricardão.
Se Quinzinho não “grudar” em você depois disso, então mande-o pastar.
Um beijo sutil,
Seu tio.