10ª Carta

“Ontem à noite ele me bateu outra vez. Depois Alex me pede desculpas, diz que foi por causa da bebida, que depois do casamento ele vai melhorar. No começo do nosso namoro não era assim. Ele me chamava de “Princesinha”, que tínhamos nascido um para o outro e coisa e tal. Isso foi há nove anos. Quatro anos de noivado e ele não fala em casamento. É claro que eu sofro muito, ele é ciumento demais, não posso sair com minhas amigas que ele acha que vou fazer bobagem. É tudo da cabeça dele, eu nunca dei motivos pra esse tipo de coisa. Quando ele volta das reuniõezinhas com os amigos, e diz que estavam jogando pôquer, é que ele fica mais violento. Quer saber o que fiz até aquela hora, por que saí com as meninas de sempre e não acredita em nada do que eu digo. Eu amo Alex, sei que ele vai melhorar um dia. Se ele me deixar não sei o que faço da vida. Ele me ensinou tudo. A Eneida, vizinha do 605, me falou que ouve os gritos dele e até o meu choro. Disse que eu devia procurar ajuda, inclusive na delegacia. Mas se eu fizer isso ele me deixa. Não sei se estou errada, mas acho melhor aceitar o meu destino. Não é verdade que o ‘amor vence tudo?’.
Adelaide”.

Minha querida Adelaide, liga não que isso é passageiro. O que são nove anos aos olhos da eternidade? Ademais, sei que você é muito religiosa e deve estar treinando o mandamento crístico que exorta a voltarmos a outra face. É de pessoas assim, como você, de que precisa a nossa milenar religião. Portanto, parabéns. Todavia, caso se arrependa de tal proselitismo, sugiro uma incursão nas artes marciais e encare o desafiante. A desordem pode até aumentar, mas a vizinha do 605 não ouvirá mais o seu choro.
É claro que Alex sempre culpará a bebida, mas acho mesmo que a culpa é do pôquer. Ao sair de lá “quebrado” ele precisará, em contrapartida, de quebrar alguma coisa. Por isso, procure não recebê-lo diretamente na volta dos jogos. Instale uma tranca na porta, diga que não a abrirá de jeito nenhum e espere que ele a arrebente e exaure toda a sua energia. Depois, um tapinha ou outro não faz mal a ninguém.
Ele tem toda a razão quando diz que depois do casamento tudo vai melhorar. O único problema é o matrimônio não se concretizar e você virar saco de pancada para o resto da vida. Mas se isso acontecer dê a ele, de presente, um par de luvas de boxe e siga amaciando a vida...
Na carta, você diz melhor aceitar o destino. Pensando bem, dou razão a você. Onde já se viu maior ousadia do que tentar reescrever a história divina? A mulher foi criada para ser uma “auxiliar” do homem e não tem o direito de reverter o poder de mando. Além do mais, conforme o texto bíblico em Gênesis, prejudicado mesmo sairia o seu noivo, pois ao quebrar uma de suas costelas ele estaria quebrando uma de suas próprias, não é verdade?
Alex a chamava de “Princesinha” no início do relacionamento. Gosto de estudar a origem dos nomes e vejo que o seu vem bem a calhar: ‘Adelaide’ é de raiz teutônica e significa ‘Princesa da terra’. Está vendo? De repente ele deseja vê-la debaixo dela!

Sucesso,
Dr. Golden.