11ª Carta

“É assunto delicado. Sei disso. Em minha lista de amigos há poucos com quem posso me abrir. Anteontem, na praça de alimentação no Shopping, não terminamos a nossa conversa. Aliás, o ponto crucial da questão foi interrompido com a chegada do casal seu amigo, lembra? Achei melhor escrever, assim desabafo mais à vontade.
Renato vem andando muito distante. Você sabe, quero dizer nos pensamentos e nas atitudes. Bem sei que com o tempo os buquês e as caixinhas de chocolate vão-se embora; as mãozinhas dadas no calçadão da praia idem, e as juras de amor não juram mais como antigamente. Mas e o sexo? Ainda somos jovens. Claro, não na flor de nossas idades, mas o beijo na boca ainda me dá muito prazer.
A verdade é que agora Renato anda distante até mesmo do contato mais particular. Não aconteceu de repente, também é verdade. Foi-se aos poucos. “Procurar” nunca foi o meu forte. Acho que me falta alguma técnica. Gosto de ceder às investidas, de fraquejar a defesa, de entregar o jogo. Hoje, com um pouco de timidez, quem inicia as preliminares sou eu. Quando não faço, ele não faz. Ele também é seu amigo, você o conhece bem, quem sabe você pode me dizer alguma coisa?
Aguardando,
Soraia”.
 
Caríssima,
como disse, sou amigo de seu marido. Não inimigo. Contudo, não estou aqui nestas minhas "preliminares" para a defesa de um ou de outro, que o assunto é mesmo delicado. O meu desejo, verdadeiramente, é não me intrometer nos jogos particulares do casal, que isso geralmente leva a um crime passional. Em todo caso, você deixa transparecer, em sua carta, uma predileção pelo futebol: “fraquejar a defesa”, “entregar o jogo”, “técnica”, “preliminares”... e vejo aí uma boa motivação para o enfrentamento do problema: intensificar o treinamento na “base”.
Antes de entrar em campo, estenda sobre a cama do casal um leve e fragrante lençol verde, na melhor representação de um gramado convidativo para o jogo. À primeira evidência do apito inicial, dê você a partida e ataque pelos flancos, a começar à altura das costelas, surpreendendo não o adversário, mas o partidário. Atrase a jogada um pouco, deixe passar o tempo, crie novos lances, não vá direto ao gol. Mantenha firme a ideia de que você não é apenas uma ‘jogadora’, mas a própria treinadora da dupla em campo, a que incentiva, comanda e cobra. Sabemos que nesse tipo de jogo não há faltas, mas nem por isso você deixará de ser, acumulando funções, a mais profissional das massagistas. Lembre-se de que, paradoxalmente, o sucesso do seu time dependerá da vitória do outro! No domínio da situação, avance pelo centro, drible seus obstáculos mais arraigados, inove nas jogadas ousadas, você agora é craque! Mas não seja afoita, que se pode perder o lance. A leveza nas investidas é o segredo do prazer; o gozo em câmera lenta. A esta altura, o outro estará entregue e suas defesas desarmadas.
Mas o jogo está apenas começando, e ele então lhe roubará a vez e avançará feito o atacante - que é tudo o que você deseja - e jogará, depois de completo o aquecimento, com o mesmo suor e empenho com que você jogou.
Ao final do segundo tempo, no luminoso acima das arquibancadas fictícias, o louco placar de “1 X 1”.

Dr. Golden.