14ª Carta

“Posso até ter 16 anos, mas sei muito bem o que quero na minha vida. A situação aqui em casa tá braba. Meus pais não querem que eu namore o Leo. Ele tem 22 anos. Eu gosto demais dele. Ele é motoboy e a gente se conheceu numa entrega que ele fez aqui em casa. Da farmácia. A gente começou a se encontrar lá fora e de vez em quando vamos ao shopping e ao cinema. Eu pedi pra ele vir aqui em casa e ele veio umas três vezes. Depois nunca mais voltou e disse que o meu pai não gosta muito dele não. Também falou que a minha mãe não dava atenção e olhava ele meio de lado. Isso tudo é verdade, meus pais me disseram que não vou ter nenhum futuro com o Leo. Eu acho isso um preconceito. Ele terminou agora a oitava série porque se atrasou nos estudos. Disse que era trabalhar ou estudar. Comecei a brigar com o meu pai e com a minha mãe por causa disso. Eu falei pra eles que não vou deixar de namorar o Leo porque eles querem. O namorado é meu e eu gosto dele e ninguém tem nada com isso. Uma vez o Leo me falou que se eu quiser ele foge comigo. Eu tô topando. Você sabia que o Leo até mora sozinho? Pois é. Ele tem condições. É um puxadinho que ele fez atrás da casa da avó dele. Ela sempre viveu de aluguel nessa casinha da frente, com uma pensãozinha que recebe do falecido e que só dá pra isso mesmo. Foi a avó que criou ele porque os seus pais não tinham condição. Hoje é ele que sustenta a avó. Não fica muito longe da minha casa, não. É pertinho da Ponte do Córrego. Dá pra gente viver sem aporrinhação nenhuma. Depois eu também arranjo o meu emprego e a gente vai viver a nossa vida e pronto. Você não acha que tô certa?
Gabriela”.
 
É, Gabriela, acho, sim. Conheço os seus pais desde antes de seu nascimento e sempre os considerei um tanto egoístas. Já disse o Profeta: “Vossos filhos não são vossos filhos. São os filhos e as filhas da ânsia da vida”. Você já é bem crescidinha, não é mesmo? Aos 16 anos ninguém é mais criança. Estão pensando o quê?
Percebo que Leo é um rapaz trabalhador e muito responsável. Afinal, não deve ser nada fácil viver com um salário que deve ser o mínimo e ainda sustentar uma idosa. E ainda não consideramos os remédios e as urgências em hospitais públicos, já que um plano de saúde deve estar fora de cogitação.
Não encaro o seu problema como uma fuga com o namorado. Fugir é coisa de aventureiro e vocês dois me parecem uma dupla bastante preocupada com o futuro.
Formado no ensino fundamental, Leo já demonstra capacidade para liderar o grupo de entregas em domicílio, ascendendo no organograma administrativo da Drogaria. É claro que com uma promoção no trabalho desse nível vocês poderão dar um trato mais elaborado no puxadinho. De sua parte, e enquanto não se formar na faculdade - imagino que daqui a uns sete ou oito anos -, você pode colaborar no orçamento familiar vendendo uns doces na porta da Farmácia. Mas nada disso constitui um empecilho para quem acredita que o amor vem antes de tudo. Principalmente antes dos filhos, lógico. E eles virão, com certeza. E serão dois ou três, quem sabe? Será inevitável, mas o puxadinho ficará apertado, embora a família não tenha do que reclamar com a chegada do inverno.
As despesas aumentarão, e muito, como é natural na vida de uma família. A avó de Leo, como também é muito natural, com o tempo irá necessitar de vigilância constante, mas não do neto, que não pode prescindir do emprego. Então o seu amor, Gabriela, que começou com Leo e estendeu-se aos filhos agora irá debruçar-se sobre a velha. A esta altura talvez a sua faculdade já tenha ido para o brejo. Mas qual o problema se os seus doces estão vendendo bem?
Sinceramente eu não acredito, mas pode até acontecer de você resolver voltar para a casa de seus pais. Não, minha querida, jamais faça isso! Caso a situação aperte ainda mais que o puxadinho, procure convencer o Leo a negociar o puxado, depositar o que der na poupança e montar um barraquinho embaixo da Ponte do Córrego.
Um beijo, minha guerreira!
Dr. Golden.