15ª Carta

“Que saber? Estou feliz da vida. Tem gente que não acredita no amor, na felicidade, acha que a distância passa uma borracha em tudo e coisa e tal. Comigo e meu noivo Clóvis não tem disso, não.
Ontem ele me ligou de novo. Custa um pouco pra ligar por causa dos estudos, sabe como é, essa profissão é pra quem nasceu pra isso. Já faz quase um ano que Clóvis está em Teresópolis, disse que a faculdade de Medicina sempre foi a primeira opção da vida dele, que ele não aguenta mais de saudades de mim, mas pediu paciência e um pouco de tempo. Quer dizer, não acho que cinco anos passam depressa, mas o que posso fazer? Ele quer se especializar em ginecologia e obstetrícia. Tomara que o curso de especialização seja aqui no Rio mesmo.
Clóvis está morando num apê de quarto e sala, novinho, que fica perto da Faculdade. Ele divide o aluguel e a alimentação com outros colegas de turma. Disse que são três rapazes, contando com ele, e três meninas. Falou que aquilo é uma loucura, que ninguém tem tempo pra sair à noite, é só estudo e estudo.
Enquanto ele me falava no telefone, ouvi algumas vozes que vinham do outro cômodo, eram as meninas que deviam estar estudando. Às vezes soltavam uma gargalhada, e ele me disse que se não brincarem um pouco quem é que aguenta?
Fiquei muito animada quando ele me pediu, acima de tudo, fidelidade. Mas é claro que ele nem precisava me pedir isso. Eu vou esperar o Clóvis até que ele volte, pra mim, com o seu maravilhoso jaleco branco e o estetoscópio entrelaçado no pescoço. Não é uma dádiva?
Beta”.
 
Como eu a admiro, Beta!
Decerto, você decorou o “Soneto de Fidelidade”, de Vinícius de Moraes. Coisa rara, nos dias de hoje. Por isso, eu a parabenizo. Que homem não se sentiria feliz ao saber que sua noiva o espera por tanto tempo? A sua atitude é de causar inveja a Penélope! Tudo bem (e ainda bem) que a guerra de Clóvis não seja em Tróia, mas em Teresópolis, e que o seu retorno será bem mais rápido e fácil que a odisseia de Ulisses. Mas isso não impede que, para passar o tempo, você comece desde já a tecer umas peças para o novo lar. Também não há necessidade de desmanchá-las ao final do dia, como fez a mulher do herói. Aproveite para presenteá-las ao Clóvis, quando de seu retorno, e mostre a ele o tamanho de sua fidelidade.
Não se preocupe com a falta de conforto a que, obviamente, o seu noivo deve estar entregue. É preciso economizar. Em todo caso, não deve ser nada fácil acomodar três rapazes e três meninas em um apartamento de apenas 1 quarto. Conhecendo a sua personalidade e a devoção do seu amor ao futuro médico, também sei que o ciúme passará ao largo de seus sentimentos. Com toda a certeza, elas devem ter dividido democraticamente o único quarto entre elas. Clóvis e os outros dois, muito respeitosamente, alojaram-se na quadratura da pequena sala. Estudiosos e sérios, os rapazes saberão respeitar, com o máximo rigor, o espaço feminino. Digo isto com sinceridade e com toda a experiência que adquiri em minha vida.
As chamadas telefônicas estão rareando, como você diz, e até o final do curso é bem capaz de se extinguirem por completo. Suspeitas? Eu não as tenho: já a lembrei de que é necessário economizar.
Também gostei muito de saber que Clóvis lhe pediu fidelidade. É claro que não precisava pedir, como você mesma confessa na carta. Do mesmo modo, durante os cinco anos de faculdade e, talvez, mais três de especialização em outra cidade caso ele não consiga aqui no Rio, Clóvis, com toda a convicção, permanecerá fidelíssimo!
Sou inteiramente crente no sucesso desse amor e já consigo antever a cena final dessa romântica história: você ouvirá a buzina de um carro à porta de sua casa e não fará ideia de que o modelo conversível vermelho-sangue é de propriedade de Clóvis, e que ele, desligando o carro, sairá vestindo um jaleco branco e que virá na sua direção de braços abertos, como um velho amigo, com o seu estetoscópio a balançar e a bater no peito vitorioso. Então você sairá ao seu encontro, receberá um abraço e um beijo no rosto e ainda se perguntará quem é a criança sentada no banco de trás.
Desejando que o amor ‘seja eterno enquanto dure’,

Seu,
Dr. Golden