Carta sobre 2015 a Heitor

Belém, 31 de dezembro de 2015.

Heitor, quando comecei a escrever sobre 2015, chuviscou em plena manhã. Mas não se engane, foi um ano quente como nunca vi aqui no Norte. Eu mesmo que não tinha até então sofrido com o Sol nas minhas missões, me vi quase com uma insolação em Chaves, no Marajó. Parece que todos perceberam, pois foi o ano da COP 21, o tratado que intencionou rever como usamos nosso planeta. Até o Papa teve que se meter: Laudato Si foi um marco, o Acordo de Paris também o foi. Como me tornei avô no limiar dos quarenta, nós dois vamos verificar se tais tentativas terão êxito, se ao final, permanecemos enquanto espécie justificável perante os demais seres vivos que tanto afetamos; não mais Homo sapiens sapiens, mas (desculpe minha pretensão de apelidar o que seria) de Homo sapiens ambientis. Caindo a cortina para todos, concluímos que podemos sim eliminar boa parte da vida no planeta. O sol que estorricou os açaizais e incendiou uma mata em plena várzea nos deu o aviso até aqui nas nossas bandas. Talvez um ultimato.

E falando-se em cortina, ela caiu mesmo foi em nosso país. Não que não ocorresse antes o que apontarei, mas se um observador colocado estrategicamente no céu brasileiro pudesse nos analisar, diria que foi um dos anos mais odiosos já vistos, que enlouquecemos. Que radicalizamos em inúmeras ocasiões. Do taxista, do religioso, da dona de casa, todos em busca de um culpado ou culpado, com avaliações muito fracas do processo socioeconômico e político tupiniquim. O pior de tudo isso: milhões foram manipulados por um seleto grupo de milionários/bilionários diretamente ou indiretamente envolvidos com as grandes corporações midiáticas. Verdade seja dita, a corrupção nos foi, nos é e ainda nos será uma praga, a qual você, eu, todos, temos que combater. Arrisco como primeiro passo para ajudar o Brasil é entender o quanto contribuímos com essa tragédia na sociedade, que descamba em violência e por que não podemos galgar patamares não tão distantes de uma Noruega, de uma Suíça ou Canadá. Heitor, não nos falta recursos, mas sobra omissão e alienação. Estar entre as 10 maiores economias capitalistas do Globo não adianta somente, o equilíbrio, o bem estar social é o que devemos ter como direito. Tá lá na Constituição. O resto é falácia de poderosos que lutarão inescrupulosamente para permanecer poderosos, enquanto a grande maioria sofre as consequências de um país injusto. Mariana! Mariana! Cantai Mariana para lembrar o principal objetivo do capitalismo: ser o cúmulo de si mesmo! Para a plebe, o mar de lama para matar e afogar as histórias de cada ali vivente!

Entretanto, Heitor, trata-se afinal do ano que nasceste! Digo que foi um ano de superação, de um acordar para todos os lados. Apertar de mãos de presidentes para diminuir os efeitos climáticos que nós mesmos produzimos nos últimos três séculos. Uma prestação de contas de considerável magnitude sobre as contas não somente do Brasil, mas dos países mais abastados. Coisas boas. O acolhimento de várias famílias europeias dos migrantes sírios até então sem esperança. Um bebê morto na praia nos fez cair a ficha novamente de como a guerra é ilógica, assim como a vã percepção de que não temos nada a ver com isso. Não queríamos a globalização? Poisé, que ela seja, como diria Leonardo Boff, cooperativa e não competitiva. Desta última já sabemos o que gera. E a cooperação, que resultados trarão para a sociedade planetária? Estou curioso para ver. Espero que fiques também curioso. Sinal de mobilização.

Foi um ano quente, Heitor. Como toda transformação requer energia, eis que vieste em um tempo dinâmico. O legal é pensar que mesmo com a modernidade que viverás, aspectos, aliás, princípios serão sempre peças fundamentais para as mulheres e homens de boa vontade. Uma adolescente disse a um repórter tendencioso que estava ocupando sua escola pública e não invadindo, claro, besta que sou, não se invade o que é do povo! Se ocupa! A vitória deles em manter a educação como um direito além do dinheiro é atemporal. Ela pensou isso. Paulo Freire também. Eu penso isso idem. Se pensares assim, serás coerente com o que é justo, se não estou enganado. E para não te enganares, vai uma dica: um mundo justo para com as mulheres inevitavelmente faz dele bem melhor, mais florido, condizente com a beleza que elas possuem. Afinal, a Mulher, a Terra e a própria Vida são misturadas. O ano de 2015 trouxe contradições e ameaças para elas, para todos os gêneros e raças auto-reconhecidas por direito. Os gorilas devem ter zombado ao longo do ano dos homofóbicos e racistas, sentenciando: “sóis vós estúpidos! Voltem para fila! Favor, atrás do Australopithecus!”.

Apesar de tantas loucuras neste ano difícil, de uma crise econômica inventada. De vídeos virais engraçados, mas também preconceituosos. Do pior congresso já eleito. De um mauricinho querendo ser estadista (e será se a miopia crescer). Foi 2015 o ano que riremos no futuro de nossas besteiras.

Ainda bem que nasceu plantinha, passarinho e crianças como você, Heitor. Deus continua a acreditar nos homens.

O ano de 2015 dá um livro. De minha parte, apenas provoco com estas palavras.

Um beijo do seu avô.