Uma carta anunciada

Querido,

Fortaleza perece mais cidade desde sua ida.

Nunca vi tantos carros, tantos prédios e esquinas desencontradas.

Duplicaram até o número de sinais vermelhos.

Não mais vejo no vaivém dos carros o ritmo da música que toca no rádio.

Entre os prédios, os pedaços de céu não têm mais graça alguma.

As esquinas nunca estiveram tão paradoxais: em cada uma delas vejo a impossibilidade de te encontrar.

Daqui da varanda, os vizinhos dos prédios vizinhos perderam o gosto pela rede.

A minha também está encostada.

A praia?

Ah, a praia, imensa como só ela, está meio triste depois que perdeu seus passos e o risco do nosso encontro.

O mar mal prova da minha paixão: quase nem mergulho.

Só de vez em quando faço o sol bater mais bonito quando vou caminhar levando a lembrança da tarde daqueles silêncios, daquelas risadas, daquele meu querer tão calado.

A saudade só tem encantado mesmo os domingos.

Sem cidade, sem sinal vermelho me mandando parar: vivo dos planos de me enganar: recordando nossos poucos dias, os seus pois-és, e todos os momentos não vividos que imaginei.

A saudade às vezes é tão grande que penso estar te ouvindo falando manso, piscando prolongado, catando as palavras, como você sempre fazia.

E como eu gostava!

Pedia sempre que as palavras se perdessem, se escondessem, se desencontrassem, se embranquecessem, se intrigassem todas as vezes que você as procurasse.

Queria te ter perto por mais tempo enquanto não concluía a linha de raciocínio.

(Raciocínios deviam ser melhor corredores, diria Manoel de Barros se soubesse desse meu desejo.)

Pois é, aqui tem sido assim.

Nem sei até quando isso vai durar: nunca ouvi falar de saudade acabar.

Talvez, só depois que a gente se encontrar.

(Diria Paulo Leminski.)

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 01/10/2005
Código do texto: T55476