Ispia a Noruega, Marajó

Ispia a Noruega, Marajó

Rio Canaticu, Curralinho, Marajó, 26 de fevereiro de 2016.


Caros Carlinhos, Janari,
Caríssimas Claudinha, Rosa, Irmãs Rita, Carla e Socorro,


Outro dia li que a Noruega era o país de maior nota de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no mundo. E li que o país mais rico da Terra eram os Estados Unidos, com 23% de toda as atividades econômicas do planeta (a Noruega tem 0,65%).


Em pesquisa continuada, verifiquei que o Brasil era o 12º pais mais rico em movimentação de dinheiro (com 3% de todo este volume global), porém o 75º país no Globo em IDH. Hum-hum, coisa a se pensar, Marajó. Perguntei a um jovem chamado Celso, que viajou para a Noruega pelo projeto do Governo Federal Ciências Sem Fronteiras, que me disse serem os noruegueses capitalistas sim, mas com um profundo sentimento de cooperação e compartilhamento. Que possuem impostos pesados, e que apesar disso, cada centavo era precioso e cobrado para serem aplicados na saúde, educação, segurança pública, infraestrutura e política de apoio aos seus mais necessitados. Relatou que a Noruega tem tem pobres sim, contudo, com um forte apelo naquele país para a geração de bem-estar social à sua população. De uma marcante movimentação da sociedade. É, ao que parece, o pobre de lá é diferente do pobre de cá, marajoaras.


Se olharmos no mapa mundial, veremos a Noruega como uma península europeia, mas tão península que chega quase a ser uma ilha. Que nem você Marajó, que mesmo sendo arquipélago, tem ligação com a terra-firme, o que a juntaria com o continente*. Eles são noruegueses e escandinavos, se auto reconhecem. Nós, marajoaras, auto identificamos também. Só que qualquer forçada minha de tentar achar uma semelhança pára por aí. Ou não. Sei lá. Depende. Só sei que estando tantos anos no rabo da fila em IDH no Brasil, de causas misturadas de um histórico esquecimento governamental, de ganância empresarial entre os anos 1950 e 2005**, da desorganização social, de equívocos sistemáticos das prefeituras municipais, de repente, um despertar. O despertar da Força? Municípios se movimentando? Comunidades locais se movimentando? Entendendo o valor de seus recursos naturais como fonte (milionária) de arrecadação? Uma praça construída com recursos de arrecadação da madeira do município que antes não era cobrado como deveria? Uma lata de açaí ajudando a pregar a tábua de um trapiche? O Desenvolvimento Local? Várias localidades Amazônia expressando “CHEGA!!” à falta de resposta oficial? O Sol enfrentando o petróleo para gerar energia?


A fé que temos no rabeta movido a energia solar. Da educação adaptada à realidade local implantada amplamente, segundo o que Paulo Freire dizia (e a Suécia vizinha da Noruega apostou na filosofia educacional deste mestre). Da culinária cabocla reconhecida e valorizada, aquela das senhoras que possuem mãos mágicas a dar sabor à nossa infância, prolongando-se vida afora, protegida (ainda) dos gaviões do capital. Se a Noruega naquele frio de lascar promove o que pode em bem-estar e tecnologia à sua população, por que nós no quente Sol do Equador não podemos também? Ser endinheirado não basta, há de sermos cidadãos de fato. De direito. O Brasil é endinheirado. Tem grana. Não basta. Apenas 1% (os super-ricos) de pessoas brasileiras ditando as regras do jogo não pode ser viável. Não tem sido viável para a população, não tem sido para a natureza. Para a Terra, o farelo.


O que conforta e dá esperança (e temos que tê-la para dar a Realidade um futuro promissor) é que até nos Estados Unidos o debate para controlar o feroz capitalismo que possuem tem crescido nas disputas internas do Partido Democrata. Se até eles questionam Wall Street (onde ocorre grande parte das negociatas mundiais), é porque a Humanidade clama pelo IDH, não pelo Produto Interno Bruto (PIB). Clama pelo RG, não pelo CPF. Clama pela semente, não pelo diamante.


A Noruega segue seu caminho de transformação e consolidação socioambiental e econômica. Como território que somos, Marajó, um caminho, esta atitude temos que manter, a unidade precisamos zelar, pois se seguirmos o mesmo rio que o Estado Brasileiro singra, de um lado a outro a espalhar dinheiro para as empresas, vai entrar ar na bomba.


Só que não!! Lançai as velas! Que o vento nos levem para o nosso destino de sermos Grandes!


Marajoaras para sempre.


Aos mestres, escrevi.


(*) Se o Marajó fosse uma jangada, Marajongada, levaria também parte dos municípios de terra-firme como Gurupá, Bagre, Melgaço e Portel (http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/4642488 ). 
(**) Aqui defende-se que a Era da Indústria Predatória no Marajó ocorreu entre o fim da Era da Borracha (1950) e a disseminação das Reservas Extrativistas e Projetos de Assentamentos Agroextrativistas a partir de 2005. Estamos em uma idade contemporânea. Como seremos lembrados futuramente? A Era do Agroextrativismo? Ver http://www.recantodasletras.com.br/e-livros/4760368.