Carta de uma mulher

Prezada Humanidade

Aqui quem vos fala é alguém que ao nascer chorou compulsivamente nos braços do médico por ter sido arrancada de um lugar onde estava realmente segura. Alguém que aos poucos foi esquecendo do perigo que a cercava, e já grandinha, corria por aí só de calcinha, brincando com meus amiguinhos. Alguém que sem nem perceber sentava de pernas abertas por julgar não ter nada de mais. Os anos passaram e aos poucos meu corpo se modificou e foi tomando novas formas com mais curvas, cresceram meus seios, e ainda muito pequenos, mal cabiam em qualquer sutiã, então usava blusas normais e não via problema nenhum em conversar com amigos de minha idade, não passava por minha cabeça que eles poderiam observar meus pequenos seios. Aqui vos fala alguém, que na adolescência foi ao mundo, estudar, conhecer novos lugares. Percorrendo estradas sozinha, a pé, pegando carona, pedindo informação, quando precisava, tantos e tantos lugares diferentes, tudo tão simples na minha cabeça. Meu primeiro choque de realidade, quando percebi que não estava tão segura assim, foi em uma bela noite quando saí da faculdade e percorri mais ou menos 1 km até o ônibus, encontrei com um homem no caminho que passou por mim sem me olhar, e eu também não havia fixado meus olhos nele, até que ouvi um sussurro sair de seus lábios: Gostosa...

Essa simples palavra foi capaz de me tirar do eixo, senti pavor e nojo misturados, e também um medo e vontade de chegar logo ao ônibus. Eu vestia calça jeans e camiseta, e estava agarrada a uma pasta e um caderno. O que havia de atraente nisso? Não quero nem saber! Acho que o que o atraia era a possibilidade da satisfação de seu instinto animal. Minha jornada não parou, apenas comecei a me tocar que o mundo não é tão seguro quanto eu achava. Após a faculdade muita coisa mudou e surgiram oportunidades, trabalhei em minha cidade e depois fui trabalhar na cidade vizinha, para onde ia todos os dias, as vezes no ônibus escolar e as vezes de transporte alternativo. Foi em umas dessas viagens que tive meu segundo lapso de realidade. Me vi obrigada a parar e refletir: Que diabos há de errado? Então é isso? Todas temos mesmo que ouvir isso?

Eu peguei o alternativo que era conduzido por um homem com aparentemente 30 anos e junto a ele havia um senhor de idade mais avançada, esse último era o dono do carro. O trasporte estava lotado, nada de mais. Eu havia me arrumado para trabalhar, passei hidratante, passei perfume, passei batom. Ao chegar ao destino eu desci do carro e o senhor desceu também para receber a quantia pela condução. Lhe dei o dinheiro e ao colocar a mão no bolso para me passar o troco o senhor disse uma frase, eu custei a acreditar, achei que tinha ouvido errado, então pedi que repetisse. Mas não era engano, ele realmente tinha proferido aquelas palavras para mim. Ele perguntou: Você quer estupro? Fiquei sem palavras! Peguei o troco e virei as costas, fui para casa de minha prima, esperar o horário de início do trabalho. Me sinto cansada disso tudo! Muitos homens sentem pavor de serem presos, pois no presídio correm o risco de serem estuprados. Mal sabem eles que as mulheres sentem esse tipo de medo 24 horas. Pode ser na rua, no trabalho, no metrô, em uma festa, dentro de sua própria casa, pode ser em qualquer lugar.

Hoje sou uma mulher, tudo em mim já se desenvolveu, meu corpo tem mais curvas. Mas o corpo é meu, e só meu, eu não sou propriedade dos homens. Eu não sou propriedade de ninguém.

Fica aqui minha nota de repúdio, no que diz respeito aos instintos, o ser humano está cada vez mais próximo dos demais animais.

Jéssica Freitas
Enviado por Jéssica Freitas em 27/05/2016
Reeditado em 27/05/2016
Código do texto: T5649068
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.