CARTAS DE lISBOA

CARTAS DE LISBOA

È um meio plágio este título que já usei noutras cartas. Eça de Queirós escreveu as cartas de Londres e ocorreu-me escrevê-las em Lisboa. Não sou cônsul nem embaixador da cidade, mas sou sem querer uma voz da província, voz que denuncia a um puro lisboeta laivos de pronúncia do norte. Num país do tamanho do nosso parece quase ridículo falar de norte e sul. Haverá dimensão e espaço para norte e sul distintos? Não há, mas há espaço cultural, diversidade em curto espaço físico. Aliás o país é muito diverso em paisagem, orografia, hidrografia, clima, etnografia enfim na geografia física e humana. Tem no entanto uma condição que faz de todos portugueses inteiros e que é a sua existência de há mais de oito séculos com fronteiras que são quase as de hoje e uma língua única formada nos primórdios da nossa existência. Nenhuma fronteira física bem nítida nos separa de Espanha e no entanto não nos tornamos uma província autónoma de Espanha, como são hoje a Catalunha, a Galiza ou a Andaluzia. Mistérios com a nossa razão. Os historiadores procuram razões os espanhóis não encontram os portugueses sentem-nas.

Faz hoje cinquenta anos que Lisboa ficou ligada ao sul com a inauguração da Ponte sobre o Tejo, uma das maiores do mundo na época. Desci o Tejo a caminho da guerra em Angola ainda a ponte não existia, sobrevoei a em 1966 quando vim a Portugal e naveguei no velho paquete Vera Cruz por baixo dela no meu regresso da guerra. Mais tarde rodei de automóvel no seu tabuleiro e recentemente percorria de comboio. Mirei a portanto de vários ângulos e admiro a obra, como admiro ter-se feito a guerra e a ponte em simultâneo. São ambas as coisas muito caras e morre muita gente embora muito menos na ponte do que na guerra.

Ao falar em guerra olho o retrato do meu neto sobre a minha secretária e desejo que ele passe a ponte muitas vezes mas nunca a caminho da guerra, mas sim do trabalho, da pesca ou da praia. O futuro interroga-me nos seus olhos de bébé.

Pessoa dizia que muitas destas aguas onde o Tejo se lança são lágrimas de Portugal. Eu vi algumas no cais, e desde quinhentos quantas não correram para estas aguas e na verdade o mar é salgado como as lágrimas.

Este nosso fado antigo está extinto, mas resta-nos essa poesia lírica e visionária com que sobrevivemos sem armas ao nosso próprio delitos. Os português chora e ri quase em simultâneo, mas espera curar-se um dia. Nesse dia será um autêntico cidadão europeu, depurado de todos os defeitos, isto se a Europa existir e já tiver bem defenida a sua identidade (democrática, só peço).

Arbogue
Enviado por Arbogue em 06/08/2016
Código do texto: T5720995
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