Amor, substância nuvem.

queria te encontrar hoje, queria te encontrar agora, só pra te falar do quanto eu te odeio. do quanto te odeio hoje, te odiei ontem e em todos os dias desde que sumiu sem deixar um rastro, uma sombra, uma pista, nada. do quanto te odeio por ter sentado ao meu lado naquele ônibus e me feito acreditar que voltaria. por ter me convidado pra jantar e me feito acreditar que viria. por ter dito que adoraria me acompanhar no show e me feito acreditar que iria. por todas as vezes em que disse tantas lindezas.

eu te odeio por me fazer sonhar com você até hoje. por não me deixar esquecer da maldita mecha do seu cabelo caindo no rosto o tempo inteiro, do timbre aveludado, da facilidade em dançar com as palavras, da habilidade em extrair perfeições do branco, do hálito tão perto, nem de todo o resto...

mas te odeio, principalmente, por esse oco. esse vazio escuro e inóspito. essa dor aguda que me pega atravessando uma rua, comprando um café, assistindo a uma aula, entrando no cinema, vivendo um dia comum. em qualquer dia, em qualquer hora, sem o menor pudor ou a mínima consideração, você salta na minha frente desesperado, tapando a minha visão repentinamente e me fazendo respirar com dificuldade, por essa dor que dá no meio do peito. meu deus, como eu te odeio por isso. por ter sido tudo e absolutamente nada... por eu ter me permitido construir tanto, ir tão absurdamente longe, estupidamente longe, sem ter saído um milímetro do lugar. por nunca ter sentido sua mão. por nunca ter te visto despir o personagem. por não ter direito a tempo só meu, a risada só minha, a poema sincero, a você ao vivo e perto e real. nada. só tive distância, só te acessei virtualmente, só te senti à longitude segura do abstrato.

por tudo isso que te odeio.

e queria te encontrar, pra te dizer nada disso, pra te olhar e saber que você existe em algum lugar, que eu não te imaginei, que eu não desenhei você e te dei vida, que eu não dormi e criei todas essas fantasias insanas. preciso saber que você ta aí, em algum lugar. preciso do meu desenho. do meu jantar. do meu show. do meu beijo. da minha pizza. da minha comemoração pelo vestibular. do meu abraço. do meu sorriso ao vivo. do meu sexo. do meu vinho. do meu poeta.

(novembro, 2014)

Marina Borges
Enviado por Marina Borges em 11/08/2016
Reeditado em 21/08/2016
Código do texto: T5725876
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