Ontem, eu vi o teu retrato. Havia vida nos teus olhos, por trás dos óculos escuros, porém, havia também inércia, frieza e a duvida - ou seria a certeza -, tua vida segue sem mim. Eu tenho que continuar a viver como se você não existisse, atendendo aos teus apelos, nas entrelinhas do silêncio de teus versos. Quem sou eu, agora, pra você?
O tempo oculta nossas lembranças, ainda que cultivadas, elas se tornam como feridas cauterizadas, são cobertas como as cidades pela areia das dunas.
Eu, na minha infindável esperança de viver nós dois, lembro-me da foto perdida, tempos atrás, vejo-me, outra vez, iludido com a possibilidade de você ter atendido o meu pedido: eu te pedi um novo retrato, Lembra?
Mais uma tolice minha: ver o teu retrato como um recado sem palavras, como um "eis-me aqui", mostrando que ainda tens amor por mim. 
Mas eu não vou reagir, vou continuar na minha quietude, respeitar a tua escolha, aprender ainda mais com a separação, tirá-la de diante dos meus olhos, até o coração se esvazie por completo de ti. 
Ontem, eu vi o teu retrato, cheio de vida e um meio sorriso afloreando a tua face. No entanto, era apenas um retato, e não fui eu o responsável pelo brilho no teu olhar.