Carta ao Pai

Parece que foi ontem que nos meus 4,5 anos ao ouvir o barulho da porta dizia: Tatái chegou; eu não tinha muita consciência da existência, só sabia que havia duas pessoas aos quais eu poderia pedir socorro nos momentos de desespero, ao cair ou aos pesadelos, fui crescendo e mesmo com essa sua aspereza natural de sua criação eu nunca me senti menos amada, a sutileza desse seu olhar firme e de suas reações duras me demostravam tanto amor, ternura e cuidado, nunca trocamos um ‘’eu te amo’’, mas não precisava, pois a gente se entendia em silêncio.

Lembro-me daquele verão de 1997 pouco depois da separação com minha mãe, você tinha adoecido de sua diabete que por mero descuido não tratava, eu fui lhe visitar, me abraçou e disse: ‘’Me visite aos domingos’’, e eu fui, inesquecível os queijos que comíamos juntos, o vinho que me deixava saborear um pouco, da admiração que e tinha pelo seu jeito charmoso de fumar, sim Pai eu fumo desde que você partiu, sei que me repreenderia se ainda estivesse aqui, mas foi um refúgio que encontrei por você partir assim sem ao menos despedir de mim.

Naquele fatídico dia perto dos meus tão novos 18 anos vi seu corpo rijo, sua face pálida, imóvel, impotente, oco, alguma coisa faltava ali, cadê meu pai robusto, bravo, autoritário? Nem ao menos uma bronca por eu ter ficado desde manhã fora de casa e ter voltado só à tarde? Desculpo-me por não ter ido ao seu enterro, mas é que seria dilacerador para mim, sou muito profunda papa saber que esse olho azul já não existira mais, essas mãos que um dia eu pedia a benção logo mais daria lugar a um osso branco sem vida, sem cor que logo se transformaria num pó derramado misturado na madeira e terra, toda vez que passava isso em minha cabeça, eu sentia meu coração do tamanho de uma azeitona, sim eu era muito imatura para compreender a morte, e ainda sou, mas hoje eu valorizo a alma.

Mas porque foste tão cedo? Eu senti um misto de dor, revolta, compaixão, passou-se uns anos e penso que se estivesse aqui teríamos muito mais tempo de nos conhecer melhor, tomaríamos muitos vinhos juntos, conversaríamos sobre muitas coisas, poxa você foi justo à minha adolescência, eu poderia aprender muito contigo, talvez fosse outra pessoa, ou talvez até o que você queria que eu fosse, me perdoe se te decepcionei, é que você está ausente há um bom tempo.

Hoje eu acredito no propósito de Deus, sei que um dia vamos nos encontrar e você vai me explicar algumas coisas, mas deixo aqui minha saudade que endurece o peito.

Denise Brunato
Enviado por Denise Brunato em 16/09/2016
Reeditado em 16/09/2016
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