O óleo da lamparina - Carta 207

Carta 207

O ÓLEO DA LAMPARINA

Um leitor do Paraná pede um texto sobre “O valor da perseverança”

“Fiquem vigiando, pois vocês não sabem qual será o dia,

nem a hora”.

Existem diversos textos sobre esse assunto. A história das “Virgens pruden-tes” aparece embutida no capítulo 25 do evangelho de Mateus (vv. 1-13), junta-mente com a “parábola dos talentos” (vv. 14-30) e a narrativa do “Grande julga-mento” (vv. 31-46) e nos cai bem em qualquer época do ano. Esta parábola, conta-da por Jesus, que ostenta vários subtítulos, entre eles “As dez virgens”, “O valor da prudência” e “Estejam vigilantes!”, tem um sentido nitidamente escatológico, pois nos remete à idéia da iminência entre a vida e a morte, naquela situação-limite em que está prestes a acontecer o julgamento de nossas ações, e não há mais tempo para retratações ou reconsiderações.

Apesar de não ser o ponto central da história, o óleo da lamparina tem um destaque especial na narrativa, é um dos pontos-de-interesse, pois o objetivo das moças era manter suas “lâmpadas” acesas para que, como aias de uma festa de casamento, pudessem iluminar os passos do noivo na hora de sua chegada, Em-bora naquela antiguidade não existissem lâmpadas como as que conhecemos hoje, feitas de filamento incandescente, elétricas, as “lâmpadas” daquele tempo tinham no óleo, em geral de oliva, o combustível de seu funcionamento, semelhante às “lâmpadas de Aladim”, que nos acostumamos a ver nos filmes e desenhos anima-dos. Desde os tempos mais antigos nos habituamos a chamar de lamparina a es-sas luminárias que eram os únicos meios de iluminação daquela época. Pois a his-tória de Jesus, embora busque uma analogia com o Reino dos Céus, se organiza a partir do exemplo prosaico do óleo das lamparinas de algumas jovens, aias de uma festa de casamento. Vamos ao texto:

1 "Naquele dia, o Reino dos Céus será como dez virgens que pegaram suas lâmpa-das de óleo, e saíram ao encontro do noivo. 2 Cinco delas não tinham juízo, e as ou-tras cinco eram prudentes. 3 Aquelas sem juízo pegaram suas lâmpadas, mas não levaram óleo consigo. 4 As prudentes, porém, levaram vasilhas com óleo, junto com as lâmpadas. 5 O noivo estava demorando, e todas elas acabaram cochilando e dormiram. 6 No meio da noite ouviu-se um grito: 'O noivo está chegando. Saiam ao seu encontro'. 7 Então as dez virgens se levantaram, e prepararam as lâmpadas. 8 Aquelas que eram sem juízo disseram às prudentes: 'Deem um pouco de óleo para nós, porque nossas lâmpadas estão se apagando'. 9 As prudentes responderam: 'De modo nenhum, porque o óleo pode faltar para nós e para vocês. É melhor vocês i-rem aos vendedores e comprar'. 10 Enquanto elas foram comprar óleo, o noivo che-gou, e as que estavam preparadas entraram com ele para a festa de casamento. E a porta se fechou. 11 Por fim, chegaram também as outras virgens, e disseram: 'Se-nhor, Senhor, abre a porta para nós'. 12 Ele, porém, respondeu: 'Eu garanto a vocês que não as conheço'. 13 Portanto, fiquem vigiando, pois vocês não sabem qual será o dia, nem a hora" (Mt 25, 1-13).

Como em qualquer grupo social – e também religioso – sempre há os pru-dentes e os imprudentes, os prevenidos e os desprevenidos. Os que se preocupam e assumem suas tarefas e os que não estão nem aí... Jesus ensina que para parti-cipar da grande festa do Reino é necessária a vigilância e também a responsabili-dade. Para o grande e incerto momento da nova vinda de Cristo, quando ele virá para “julgar os vivos e os mortos...” é preciso que todos estejam suficientemente atentos para não serem surpreendidos. Aqui, o noivo é Jesus que vem para despo-sar a humanidade e colocar um fim na história...

E a noiva? Como vem omitida na narrativa, imagina-se que ela já estivesse na casa, esperando a chegada do noivo. Num passado bem remoto, havia a idéia de que as dez virgens eram as noivas, a espera de um noivo polígamo – o que não é raro no Oriente Médio – para as bodas. Depois, passou-se a admitir a metáfora de que a noiva era a Igreja que ia ser desposada por Cristo. A virgindade das aias não explicita unicamente uma virgindade sexual, mas nos indica uma atitude de pureza de todos perante Deus, os que não se deixaram contaminar (cf. Ap 14,4). O número dez, que se refere às moças, aponta para um todo, um número completo: toda a comunidade; a Igreja. Embora se manifestasse, logo a seguir, uma divisão entre elas, o número dez dava a entender que todas possuíam óleo, eram fiéis ao projeto original. Mas...

Mas, apesar do desejo, faltou-lhes capacidade de previsão. Não se deram conta que o óleo poderia faltar, e na hora necessária ficarem sem o combustível. E foi o que aconteceu. Sobre essa necessária vigilância, Jesus advertiu:

Se alguém de vocês quer construir uma torre, será que não vai

primeiro sentar-se e calcular os gastos, para ver se tem o

suficiente para terminar? Caso contrário, lan-çará o alicerce e

não será capaz de acabar. E todos os que virem isso,

começarão a caçoar, dizendo: “Esse homem começou a

construir e não foi capaz de acabar!” (Lc 14,28ss).

A narrativa informa que a chegada do noivo, no meio da noite (em algumas traduções à meia-noite), foi precedida de um grito (cf. v. 6), como um sinal escato-lógico, quem sabe a “sétima trombeta” (cf. Ap 11,1-19). Essa sétima trombeta, a tés esxata salpinx (a trombeta escatológica) aponta para a volta de Jesus! Nós es-tamos preparados para esse encontro com ele? A noite é fria, longa e cheia de tre-vas. Ninguém esperaria que o cortejo nupcial começasse em tão avançadas horas.

Por que o noivo planejaria esta hora? A meia-noite é hora de dormir e não um tempo para cortejos nupciais. Quando Jesus chegar ele virá em um momento to-talmente inapropriado. Há que se buscar sentido em três símbolos que envolvem a lâmpada e ocorrem nessa alegoria: o óleo, o pavio e o fogo. O óleo (em geral usa-vam azeite de oliveira) era o material usado para unções (de origens espirituais) e massagens (físicas) dos atletas. Seu significado aponta para o cristão ungido para uma determinada missão. Os profetas recebiam a unção de outro; Jesus foi ungi-do pelo Espírito (cf. Lc 4) para anunciar a boa notícia, curar e libertar o povo. Assim, o óleo (azeite) é o símbolo do Espírito Santo (cf. Zc 4,2-6).

Já o pavio, em geral feito de corda de algodão, embebido no óleo, onde se fixava o fogo para iluminar. Seu significado se prende ao desejo de santidade, a vontade que anima todos os santos: ser luz. O fogo, luz e calor, é a ação do Espíri-to Santo agindo no ungido, em favor da Igreja e da causa do Reino. O apóstolo Paulo afirma que “é impossível alguém pertencer a Cristo se não tem o Espírito Santo (cf. Rm 8,9.11). As sete lâmpadas (heptá lampades), o menorá sagrado refe-rido no livro do Apocalipse, que caracteriza o judaísmo, apontam para uma situa-ção de iluminação, sob a qual ocorrerá o julgamento. As bodas tem uma caracte-rística escatológica, pois vão acontecer no limiar da eternidade, após o julgamento final, e durar por todo o sempre. As mensagens da parábola ora em estudo se afi-nam com o Apocalipse, numa ênfase à necessidade de vigilância e perseverança. Nesse contexto, constata-se que o Noivo é Jesus Cristo “aquele que vem”, e a Noiva é a Igreja. O cristão que é prudente, ele deseja e realiza a obra de Deus. Já o im-prudente, o desleixado, ele quer, mas não se torna previdente, não consegue orga-nizar sua vida espiritual em face dos fins propostos. O fato é que muitos conhecem a Jesus, sabem falar a respeito dele, mas não o seguem. Há, no texto, várias ex-pressões que nos chamam aos cuidados e à reflexão, entre elas uma que traz con-sigo uma vigorosa carga escatológica:

E a porta se fechou (v. 10b).

Ora, depois que a porta se fecha, explicitamente no aspecto escatológico, não tem mais volta. Quem está dentro do salão vai festejar, e quem se colocou do lado de fora, por causa de sua imprevidência, vai ficar de fora. Para sempre. A por-ta fechada, ao contrário da aberta, revela uma situação de irremediável tragédia para quem ficou do lado de fora. A chegada do noivo para as bodas, quando vai ocorrer o chamado arrebatamento, os atentos e vigilantes vão ser admitidos à fes-ta, enquanto os outros, chamados de virgens néscias ou loucas, em algumas tra-duções, vão ficar de fora. São Paulo define essa situação de transformação com vigorosa precisão:

Vou dar a conhecer a vocês um mistério: nem todos

morreremos, mas todos sere-mos transformados, num instante,

num abrir e fechar de olhos, ao som da trombe-ta final. Sim, a

trombeta tocará e os mortos ressurgirão incorruptíveis; e nós

seremos transformados. De fato, é necessário que este ser

corruptível seja revestido da incorruptibilidade, e que este ser

mortal seja revestido da imortalidade (1Cor 15,51ss).

Os excluídos, aqueles que não se prepararam para a unção do Espírito San-to, vão ouvir da boca de Jesus a terrível sentença:

Eu garanto a vocês que não os conheço (v. 12).

A parábola nos fala de uma separação das virgens, o que parece apontar pa-ra a chamada “grande tribulação” (cf. Ap 20,1-6), onde ficará evidenciado “quem-é-quem”. A separação divide o grupo em cinquenta por cento, conforme já fora pre-conizado pelo próprio Jesus:

Assim acontecerá também na vinda do Filho do Homem.

Dois homens estarão tra-balhando no campo: um será

levado, e o outro será deixado. Duas mulheres esta-rão

moendo no moinho: uma será levada, a outra será deixada.

Portanto, fiquem vi-giando! Porque vocês não sabem em que

dia virá o Senhor de vocês (Mt 24,39-42).

O outro enfoque de reflexão, contido no título deste estudo, aponta para o óleo que abastece a lamparina, umedecendo seu pavio e proporcionando a iluminação desejada. No que consiste então em ter sua lâmpada abastecida, sem ter a necessidade de sair para comprar óleo? Por fim nos é dito que todas elas tinham óleo nas lâmpadas. O problema é que elas não tinham azeite sobrando. O azeite nas Sagradas Escrituras, como já foi dito, simboliza o Espírito Santo. Como todas tinham a mesma quantidade de óleo, parece que umas pouparam – frutificaram a graça – e outras não. No contexto dos casamentos palestinos, o azeite, além de a-limento, também era usado como combustível para manter as lâmpadas acesas. O Espírito Santo é que mantém no homem a presença de Deus ardendo como fogo (cf. Zc 4,1-6).

Como as virgens esperavam pelo noivo, também a Igreja aguarda a volta de-finitiva de Cristo. A Igreja são todos os que receberam seu evangelho, como boa notícia de arrependimento, remissão de pecados e salvação. Esta passagem nos ensina muito a respeito da volta de Jesus. As virgens da parábola representam as almas cristãs à espera do esposo, Cristo. Ainda que ele tarde, a lâmpada da sua vigilância deve estar preparada. As leituras apocalípticas do Novo Testamento nos remetem à necessidade de discernimento sobre os fatos e o futuro da comunidade cristã. Á pergunta “quando vai acontecer?” Jesus responde com a imagem da fi-gueira: “Quando começa a brotar, o agricultor sabe que está chegando o verão e se alegra porque a colheita se aproxima” (cf. Mt 24,32s). O dia e a hora da ceifa só o Pai sabe... O mais importante não é saber quando irá acontecer, mas estar vigilan-te e preparado para ele.

Na nossa história, todas as aias eram virgens, ou seja, representam pessoas separadas das obras injustas deste mundo maligno, como todos os batizados que aceitaram a Palavra da Verdade em suas vidas. Quando o esposo é anunciado, to-das estão “dormindo” mostrando que a volta de Cristo vai ocorrer num momento inesperado para todos. As moças, para fins de estudo, foram classificadas em ajui-zadas e imprudentes, duas categorias contrapostas na sólida tradição de alguns livros Sapienciais (cf. Pv e Eclo). Na parábola em questão, conforme a atitude cada uma delas, está em jogo o sentido último da vida. As lamparinas e o óleo que as alimenta são expressão de vigilância noturna (cf. Pv 31,18; Ap 18,22). O fogo da lamparina é o Espírito Santo que deve permanecer aceso em nosso interior. É ele que ilumina e aquece a nossa vida. Sobre isto, Paulo recomenda aos seus leitores:

Não extingam em vocês o fogo do Espírito (1Ts 5,15).

O azeite das virgens prudentes não pode ser compartilhado com as virgens descuidadas, uma vez que o relacionamento com Deus, a vida da graça, é pessoal, intransferível e depende do nível de busca de cada um. Este item não pode ser ob-tido no último minuto. A história das dez virgens é a mais profética parábola de Jesus. Existe um tempo de espera onde a fé é provada. E só pode resistir a esse tempo quem tiver “quantidade suficiente” de óleo (a perseverança) para manter sua lâmpada acesa. O prêmio, estipulado por Jesus é bem claro:

Ao vencedor, darei um prêmio: vai sentar-se comigo no meu

trono, como também eu venci, e estou sentado com meu Pai no

trono dele. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às

igrejas (Ap 3,21s).

No clímax da parábola, Jesus faz coro a tantas admoestações contidas nas Escrituras, no sentido de uma vigilância que é fundamental à vida espiritual de todos os crentes: Portanto, fiquem vigiando, pois vocês não sabem qual será o dia, nem a hora (v. 13)