A carta dela

Eu queria que estivesse aqui. Seria bom pois mediria o que fazer, segurando minha mão, falando que vai dar certo. Tem sido um tempo difícil e a tristeza entrou na minha casa; ela sentou no sofá, esparramou-se e pediu uma dose de solidão. Uma dose bem forte. Você não estava aqui para ajudar a expulsá-la. Ela também entrou no meu quarto e, quando me dei conta, ele ficou triste para sempre. Como eu queria que estivesse aqui. Ao menos eu poderia suportar melhor esse desastre. Eu te veria com cara de desdém, falando apressadamente que tudo vai dar certo, que não há motivos para desanimar, que eu não preciso sentir essa enorme magoa do mundo. Estou cansado de sentar na calçada e ficar lembrando das tantas vezes que chorei sem entender nada. A verdade é que não me tornei uma boa pessoa. Não fiz as escolhas certas e o amor não me faz graça. Eu fiquei aqui sozinho tentando de todas as formas não cair no fundo do poço e fiquei conversando com pessoas que não entendiam nem a primeira frase da minha aflição. Hoje não me ocupo com Deus e nem com as tantas pessoas que um dia chamei de amigo. Mas sinto tanto a sua falta que me perguntam se estou feliz e digo automaticamente que sim, que nunca estive melhor. Quero deixar claro que não fui feliz em nenhum um dia, mas tenho tentado. Não me sinto fraco, mas deprimido. Hoje deixei meus pés afundarem no barro molhado do jardim e lembrei que há muitos meses não vou à praia para caminhar, que não escrevo um poema bonito daqueles que você coloca dentro de um envelope e manda. Não lembro nem da última vez que saí para algum lugar agitado, com pessoas que nunca vi antes, sorrindo, com seus problemas para si, mascarado numa aparência momentânea. Não era mais fácil com você aqui, mas eu suportava. Um dia desses choveu por várias horas e lembrei que desde que tinha 14 anos não tomo um banho de chuva, que não juro amor eterno e que não conto estrelas. Mudei a ponto de não reconhecer aquele aquela menina que um dia mudaria o mundo, mas sim uma cidadã padrão, que apenas obedece. Hoje tenho só angustia; Tinha guardado tudo nas gavetas, mas agora estão espalhadas por aí e não consigo mais as recolher. Também não consigo recolher a minha alegria, o meu amor, o sorriso e a enorme inocência que tinha dentro de mim. Não consigo achar mais nada e a sua falta se tornou tão grande que criou um vazio do tamanho de Deus. Queria que voltasse pra casa. Queria que EU conseguisse voltar para algum lugar que não fosse essa imensa solidão com pilhas e mais pilhas de rancor, misturadas com os papéis amarelos de raiva que ficaram em um canto da sala longe da vista das visitas! “Se você estivesse aqui, tudo teria sido mais suportável” – Disse eu com os olhos baixos e frios frente ao papel que escrevo agora.

Cancuan B Alves
Enviado por Cancuan B Alves em 30/05/2017
Código do texto: T6013714
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