Guarde com carinho

Guarde-o com carinho, em alguma das tantas gavetas do seu coração. Deixe-o lá. Não diga nada, apenas prometa que será cuidadoso: basta um movimento brusco pra que ele vá embora. Quero que perceba: junto a esse instante que agora lhe entrego está o meu coração.

Cuide bem dele, como um presente que há muito busquei, daqueles que rondamos cidades inteiras à procura pois sabemos que são raros e que encontrá-los não será fácil. Junto a esse instante, estão minhas verdades mais sinceras e os caminhos que, insone, traço num sonhar exagerado, todos os dias, quando acordo de manhã. Entrego-lhe um pouco de tudo que já me aconteceu: dou-lhe amores inacabados que, de tão ingênuos, perderam-se no tempo e desencontraram-se para que nos encontrássemos, e, também, as poucas lições que tirei do mundo, enquanto caminhava, em busca das mais distantes explicações. Espero que saiba que, junto a esse momento, está meu coração e que meu coração é tudo que tenho.

Despeço-me de qualquer trauma passado e refaço-me, agora, em seus braços. Não peço muito, peço que não seja breve, que seja terno, que sejamos nós, um piano e um chá da tarde. Peço que guarde esse instante com o mesmo cuidado que guardarei suas palavras, com a intensidade que contém a sua alma, e com a calma que lhe é tão característica.

Entrego-lhe nosso instante, aquele mesmo, que sustenta o edifício inteiro: éramos nós, uma sala de estar, um sofá e a televisão ligada: "Amo você", um sorriso, um silêncio, "eu também amo você". Ainda que fossem poucas as palavras, diziam aquilo que só elas podiam dizer, algo que, aliás, talvez não deva ser dito mas, quando sentido, ergue águas do quotidiano tão só. Lembre-se dele pois é dos instantes que surgem os amores. Lembre-se de você, dos seus sonhos e de mim, e saiba que, junto a esse instante, entrego-lhe um pouco de mim.