Das cartas que eu não mando

Numa folha qualquer eu desenho um sol amarelo... que descolorirá.

Eu ainda lembro de todas as cores. 10 anos não passam tão depressa assim... Parece que foi ontem? Não foi... não pra quem sempre foi ligada demais em calendário. Não pra quem aprendeu a ignorar tantas datas como um mecanismo de defesa pra uma dor que não sabe ainda como passar. Eu não gosto de aniversários e gosto ainda menos do seu... mas eu tento, juro por Deus que eu tento não mais me deixar ser triste. É dificil pensar na vida como uma aquarela se descolorindo, mas tudo o que você deixou aqui é tão cheio de vida...!

Eu demorei um tempo pra entender, pra aceitar, pra me permitir rir de qualquer coisa sem culpa. Mas eu entendi, ainda que não tenha desvendado o mistério. Você ainda me ensina todos os dias a ser sua irmã. Eu lembro do teus olhinhos expressivos, lembro da tua risada, lembro até do jeito despojado com que vc se jogava na mesma poltrona preta que eu me sento todos os dias e lembro de você. Eu penso muito em como você estaria agora e sonho ver teu brilho expresso no rosto de um filho meu.

Eu queria te dizer que eu aceito que você tenha ido.. não há raiva, não há mágoa, não há mais nada disso. E eu sei que não teria motivos, mas a dor da gente não escolhe de que forma chegar e na maioria das vezes chega destruindo muita coisa. Obrigada por nunca ter deixado as coisas desabarem aqui dentro. Vou sempre te agradecer por isso.

Queria te dizer também que do lado de cá as coisas estão se ajeitando. Muita coisa aconteceu e andou pesando o saco de memórias. Mas rezo pra não sofrer de Alzheimer. Não suporto pensar em esquecer os pedacinhos do meu espelho quebrado. Mas me alegro saber que ainda assim você estará presente, as memórias de infância são guardadas num lugar chamado coração. Nenhum esquecimento vai te levar de mim.

Te dizer ainda que tenho aprendido a viver sem querer ver o tempo voltando. Estou seguindo em frente, sem tanta pressa de ir nem de voltar. Mas ainda com um pouquinho de medo dessa astronave que tentamos pilotar e que sem pedir licença muda nossa vida e depois convida a rir a chorar.

E por último, te pedir que transmita essa mensagem ao meu pai. Ainda não sei se ele pode me ouvir. Ainda nao sei como falar com ele. Mas torço pra que vocês tenham aprendido. Vocês dois são grande parte de mim que eu preciso deixar ir. Mas que nunca passarão, eternos passarinhos.

Com Amor

A.

Alice Alencar
Enviado por Alice Alencar em 16/09/2017
Código do texto: T6115533
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